Nós conhecemos a história. Estuprada dentro do templo de Atena, Medusa é transformada pela deusa em um monstro horrível cuja visão transformaria qualquer homem em pedra. Conhecemos não porque a mitologia grega é assunto cotidiano, mas porque ainda perguntam que roupa uma mulher estava usando ao ser estuprada, porque ainda dizem que “ela estava pedindo”. Porque nas últimas semanas, temos sido bombardeadas por histórias de terror, mulheres que têm seus direitos tomados, seus corpos transformados em espaço público, um campo de batalha sangrento.
Sangue. Sangue me lembra Carrie, sangrando no chão do vestiário feminino, com medo de morrer, sem saber que “se tornou mulher”, o que quer que isso queira dizer. Carrie, reprimida, vivendo sob o jugo da mãe religiosa, seus poderes incontidos explodindo de dentro dela. “Tampa isso”, dizem as colegas, jogando absorventes na cara dela. Mas, no final, Carrie está coberta de sangue.
Os filmes de terror tem um histórico peculiar no que diz respeito às mulheres. É um dos gêneros em que somos mais representadas, entretanto, um análise crítica nos permite perceber sem grandes dificuldades que a mensagem passada não é que mulheres são protagonistas empoderadas de suas próprias histórias, e sim, que se elas não seguirem um determinado comportamento elas serão devoradas. Só interessa sermos vistas quando somos possuídas, torturadas, caçadas e mortas, então, não é de se admirar que tantas mulheres sejam apresentadas centralmente em filmes de terror. Os homens tem mortes rápidas, as mulheres são aterrorizadas longamente.
Em diversos filmes desde os anos 70, grupos de amigos são perseguidos por psicopatas e assassinados um por um até restar apenas uma sobrevivente. Uma mulher, jovem, atraente e, na maioria das vezes, virgem. Em O Exorcista (1973), a puberdade da pequena Reagan se confunde com sua possessão demoníaca, ela geme, se contorce, fala palavrões e o mais chocante: se masturba com uma cruz. A mensagem é óbvia. O diabo e a sexualidade feminina são uma coisa só.
Não é de se estranhar que todos esses filmes tenham sido dirigidos por homens. Nossas narrativas foram roubadas e deturpadas, distorcidas em moralismo contra nós mesmas. Mas e se contássemos nossas próprias histórias? O que aconteceria quando tivéssemos um teto todo nosso? Talvez então víssemos por outra perspectiva. Uma deusa, furiosa por uma mulher ter sido violentada dentro de seu templo, lhe dá uma forma impressionante, poderosa, capaz de manter longe aqueles que podem feri-la. Talvez, se a história fosse contada por uma mulher, então perceberíamos que a feiura, tão detestada, era não um castigo, mas uma dádiva. Proteção. Empoderamento. Nos filmes de terror dirigidos por mulheres, temos sido monstros, vampiras, mães imperfeitas, e é justamente quando abraçamos nossos lados sombrios que nossos corpos passam a nos pertencer.
Nossa monstruosidade, nossa feiura, ela deve ser nossa, as histórias por trás de nossas cicatrizes devem ser contadas por nós mesmas, não podemos mais deixar que elas sejam apropriadas e jogadas contra nós. Em O Riso da Medusa, Hélène Cixous diz que “a mulher deve se escrever: deve escrever sobre mulheres e trazer outras mulheres para a escrita, de onde elas foram violentamente retiradas como dos seus próprios corpos[…] Mulher deve se colocar em texto – assim como no mundo e na história – por seu próprio movimento” (tradução livre).
Então, este é o meu manifesto. Escrevam. Contem-nos sobre Perséfones que pulam no buraco ao invés de serem puxadas, sobre Medusas que são abençoadas ao invés de castigadas, sobre Reagans que se masturbam e falam palavrão e não precisam ser salvas disso, se apropriem de seus corpos, sejam poetas, monstros, mulheres, mulheres, mulheres.
Escrito ao som de Selvática da Karina Buhr e ilustrada por Morgue.
Quando assisti Elena, em 2013, já havia pensado e desistido várias vezes da ideia de fazer um filme sobre a minha avó, pensando na superexposição que isso poderia ser, na má-interpretação que poderia gerar por parecer egocentrismo ou mesmo pela aparente facilidade de tema, realização e produção. Tudo isso, depois de ver Elena, se revelou exatamente o contrário: falar sobre si e sobre as suas próprias origens é um ato de coragem. Uma coragem não só de se expor, mas de encarar a si própria, à sua família, ao que está mais intrínseco ao que é você. É também um ato de humildade. Colocar sua própria história e, especialmente no seu caso, entre outros tantos temas abordados no filme falar também sobre um assunto tão delicado, o suicídio de sua própria irmã, no intuito de poder, de alguma forma, contemplar, como que abraçar outras pessoas que possam ou não ter passado por algo semelhante. É preciso sim falar sobre o que está dentro de nós. Tornar-se uma ponte para outras pessoas que lidam com situações semelhantes, mas que não são ditas pelos tabus, pela sociedade cada vez mais rápida, agressiva, do movimento contínuo sem reflexão, yang, que não permite que tragamos à tona as sutilezas que habitam as nossas almas e que às vezes atrapalham nossas próprias tarefas cotidianas – que são tão exigidas por esse sistema – por serem deixadas de lado e nunca entendemos o porquê.
Peço licença, Petra, para expor o que eu vejo dos seus filmes e que me encorajou a ser cineasta, a permitir que eu me buscasse no meu trabalho, e que o meu trabalho fosse reflexo dessa busca. Seus filmes mostram o processo de autodescoberta, e é como se você estivesse compartilhando todas as suas inquietações, como um fluxo de pensamentos, que a gente consegue captar – pelo menos quem é mulher e passa por essas questões. Em Elena, é como se fosse necessário pra você fazer emergir e expelir suas angústias em forma de filme. As imagens têm cunho quase onírico, com imagens de arquivo pessoal no quais podia-se ver e ouvir depoimentos de Elena, fragmentos de sensações do real, depoimentos seus e de sua mãe. A partir disso, é possível ver uma correlação entre as três.
A escolha de composição das imagens para retratar as sensações em Elena é repleta de planos fechados, buscando detalhes de pele, querendo mostrar algo além das imagens das personagens. A câmera na mão é elemento marcante no filme, percorrendo pessoas e ruas, ficando difícil definir o que está sendo buscado: a câmera está perdida com e como você, como todos nós. Essas imagens são colocadas em contraste com as de arquivo, que, montam uma memória imagética existente fora e dentro de Petra: fora ao ser mostradas, remetem a uma memória externa a você – eram fatos meramente registros de situações; dentro uma vez que essas imagens são mostradas poeticamente a partir da memória da sua própria memória e suas vivências.
Além das questões que envolvem a irmã, você busca retratar também o seu estar se tornando mulher – a mesma fase em que Elena se encontrava. Isso é mostrado, externalizando o que mais de interior nos afeta, na cena em que várias mulheres descem rio abaixo, buscando suas próprias origens, tudo o que todas nós passamos, que nossas mães, nossas avós passaram, simbolicamente pelo fluxo das águas. E foi o mesmo momento em que me encontrava, que várias mulheres com quem convivo se encontravam: o que sou eu e o que são as construções em mim, o que é meu e o que é das minhas antepassadas?
E qual não foi a minha surpresa ao me deparar Olhos de Ressaca, sobre seus avós maternos. O mesmo ponto em que eu me encontrava: tentando resgatar as minhas origens para entender os meus próprios processos. É como se você já quisesse falar de Elena, mas ainda precisasse entender outros momentos, suas próprias origens, para deixar vir à tona outras feridas. Um processo de libertação. Já se vê muito do que o seu longa-metragem seria, em especial na cena em que sua avó é filmada flutuando na piscina, com a mesma trilha-sonora que marcaria Elena.
Elena, o filme, é a trajetória de uma mulher em busca de ser não mais duas, mas uma. Trata de um tema crucial para todas as mulheres, a individuação. O arrancar-se do corpo de uma outra – mãe… (irmã…) – para poder existir. Quando esse movimento de matar e morrer simbólico, necessário para o tornar-se mulher, é atravessado por uma morte literal, concreta, tudo ao mesmo tempo se torna mais urgente e mais enroscado. Como matar quem já está morto e que dói em nós como uma saudade brutal? Como ferir de novo a mãe, ainda que desta vez de modo simbólico? (BRUM, 2013, Revista época on-line)
Você chama Elena de memória inconsolável. A realização desse filme não tem a intenção de dar respostas, mas de compreender o que há de Elena dentro de você, e dentro de todas nós, perceber esse ciclo no qual ela se encontrava, de perceber que frequentemente enfrentamos exatamente as inquietações que a sua irmã vinha sofrendo sozinha. A tentativa de fechamento de uma cicatriz, e também seu próprio processo de individuação: deixar a Elena que habita dentro de nós morrer, para nos tornarmos.
O momento em que Olmo e a Gaivota chegou, pessoalmente pra mim, mas principalmente nessa discussão efervescente deste momento em que, ao mesmo tempo vemos mulheres cada vez mais emponderadas sobre si, por outro lado o poder do país – majoritariamente composto por homens – tentando estraçalhar essa conquista que ainda engatinha no mundo.
E eu não posso deixar de fazer uma análise além de estética desse filme, que lindamente faz uma mistura de linguagens e idiomas, do Teatro, da Literatura, do ficcional e do documental, mas a análise social que é urgente, presente nesse filme. Esse filme é sobre o mito da maternidade construído em todas nós desde muito cedo. Como Eliane Brum, mais uma vez se utilizando brilhantemente do seu trabalho para aplicar aos contextos da nossa realidade, analisou o caso da empregada doméstica de Higienópolis que, desesperada, “abandonou” o filho ao pé de uma árvore e aguardou para se certificar de que alguém o encontraria. O Cinema, ao longo de sua história, alimentou esse imaginário, de uma mulher que, desesperada e aos prantos, abandona um bebê em uma cesta à porta de um orfanato, aguardando que alguém o acolha. Nos filmes clássicos, causa comoção; na realidade, linchamento.
Olivia é uma atriz, cheia de sonhos, que depois de 10 anos de trabalho, assiste ao começo do fim da carreira, como ela diz. Ela já não vai ser a atriz principal, nem a mais jovem, e se questiona se haverá espaço para ela após o nascimento da criança. O cotidiano da gravidez de risco a deixa isolada, não a deixa trabalhar, e ela se vê presa a um ser desconhecido que a habita, e que, embora ela receba essa notícia com amor e vontade, se sente culpada por não estar completamente feliz com essa gravidez, como o mundo inteiro nos faz acreditar que deveria ser. O seu companheiro, Serge, continua trabalhando e vivendo o que ambos viviam juntos. Nos poucos momentos em que se encontram, Olivia quer um pouco de afeto e proximidade, mas Serge está muito cansado. Tenho o meu presente e você tem o seu, ele diz. Olivia não tem só o presente dela, ela carrega o presente dela e de Serge também, mas ele custa a compreender.
Por ter uma rotina extremamente cuidadosa, mergulhamos no psicológico de Olivia – coisa que raramente é trazida nos filmes, já que a gravidez é uma consagração unanimemente perfeita, como o imaginário nos fez acreditar ingenuamente. Entramos nas lembranças de Olivia, nas suas sensações, nas suas inseguranças. Em suas memórias inconsoláveis do que ela foi e do que projetava ser.
Confesso, no entanto, que fui à sessão de Cinema com o intuito de chorar bastante, e me deparei com um filme bastante leve, e após a sessão saí feliz. Feliz por mim, feliz por Olivia, feliz por quem eu sei que vai assistir ao filme e se sentir contemplada. De mais uma vez, você ter trazido o peso das coisas com delicadeza, e saí com a sensação de mais uma vez ter alguém que nos compreende e consegue falar através da nossa voz, e que há quem nos represente. Não estamos loucas. Nem sozinhas. Obrigada, Petra.
Na hora de filmar a cena, eu me concentro em registrar a realidade como se fosse um milagre. – Naomi Kawase
A proliferação de tecnologias e maior acesso às mesmas nas últimas décadas causaram um aumento da exposição, singularização e, em muitas situações, espetacularização da intimidade. Há uma quebra de fronteiras entre público e o privado e as narrativas contemporâneas adotam cada vez mais a forma de testemunho, autobiografia e metaficção, gerando leituras impactantes.
Resultado dessa geração tecnológica, vivemos cercados de informações e inovações, apresentando sintomas de uma inquietação interior comum. Por ser comum, aplica-se ao coletivo humano uma necessidade de preenchimento desse vazio “instalado pela era do excesso, do transbordamento, do acúmulo, do pessimismo”, como colocado por Isabelle Hattanda em Uma proposta de cinema contemporâneo transcendental.
Os filmes da cineasta japonesa Naomi Kawase têm forte presença de ausência e de perda; são experiências de vida que envolvem o aprendizado do corpo ao lidar com a dor, mas de forma leve, sem ressentimento. Essas características são ainda mais fortes em seus documentários, uma vez que se trata dela mesma lidando com suas próprias dores: o abandono dos pais, sua busca por eles, a morte iminente de sua tia-avó que a criou como filha. A ausência se faz presente em matéria fílmica.
Feitos através de uma pequena Super 8, seus primeiros filmes são registros de momentos de sua vida cotidiana na pequena cidade de Nara. Sua câmera é curiosa, inquieta, busca ver por dentro da própria imagem. A montagem é descontínua, deixando forte presença da autora.
Minhas obras, meus filmes, talvez fujam um pouco das formas mais padronizadas de cinema, mas acredito que existem outros realizadores que estão continuando também a fazer essa arte mais “humana”. Acredito, talvez, que posso de alguma forma estar dialogando com esse tipo de pessoa. De qualquer forma, não penso muito sobre movimentos cinematográficos. Na realidade, acho que se olhar para os meus passos, estarei tendo, isso sim, uma conexão com a natureza e o mundo antes de tudo. (Naomi Kawase, em entrevista para e Revista Cinética)
Além da poesia presente no fato de serem apresentadas sensações além do que foi filmado, há também a intenção de tatear, como em Caracol (Katatsumori, 1994), filme que contempla com afeto o cotidiano de sua tia-avó, Uno Kawase, na pequena cidade de Nara, e que seria o primeiro filme da chamada “trilogia da avó”. Na cena em que tateia o rosto de Uno depois de observá-la de longe pela janela, o ato de fazer do tato um gesto primordial traz o conceito da “câmera-pele”. É exteriorizada a necessidade de tocar alguém que se ama, e é através do tato que é sustentada a materialidade do que se perderia com a morte de sua tia-avó.
No segundo filme da trilogia, Viu o Céu? (Ten, Mitake, 1995), Kawase alterna o som com a imagem, trazendo uma experiência sensorial diferente da protagonizada em seus filmes anteriores, no qual o off e a fala de Uno conduzem a narrativa. O som de uma secretária eletrônica acompanha as imagens de sua tia-avó queimando papéis, em preto e branco e em câmera lenta. Ao acabar essa cena, Uno aparece cuidando de seu pomar, já em cores. Na sequência, Kawase divide as cenas em frames, constituindo um quadro a quadro com fotografias estáticas da tia-avó no jardim. No final do filme, que não dura mais do que 10 minutos, Uno é enquadrada apontando para o céu anoitecido, quando Naomi aparece e pula por cima da tia-avó. Ambas aparecem à vontade em frente à câmera e em contato com a natureza.
O terceiro e último filme da trilogia, Sol Poente (Hi wa katabui, 1996) é um média-metragem mais leve e despretensioso, no formato de “filme-diário”. Os offs são desabafos, comentários e inquietações. Os elementos da natureza seguem sendo o que move os filmes de Kawase: a câmera mostra o pomar da tia-avó e a chuva. Uno, já mais familiarizada com as filmagens, ri, brinca com a câmera. No entanto, há uma quebra na descontração quando a tia-avó a confronta, perguntando por que a relação com o avô é tão melhor que a que tem com ela. Mesmo nesse momento de tensão, a câmera segue ligada, acompanhando todo o processo de desentendimento entre as duas. No entanto, este filme é o primeiro filme em que o tio-avô é mencionado, como se até então inexistisse.
Essas características do poético e do contemplativo, presentes nos três filmes, já não eram novidade na época em que foram feitos, e muito menos hoje em dia, quando há cada vez mais diretores mostrando os mais diversos olhares sobre o mundo. O diferencial dos filmes de Kawase está na fidelidade com a ideia de registro e da sensação de parecer que ela se prende no cordão umbilical que não pôde desfrutar na inexistência da relação com a mãe. O carinho está presente na câmera que cola em sua tia-avó como que num esforço para tocá-la. Não somente a câmera se aproxima, ela caminha, vai até os personagens sem se preocupar que sua presença seja notada ou não. Nesse processo, portanto, a câmera treme, o foco está constantemente em ajuste, a câmera vai de encontro com objetos.
Eu não comecei a produzir filmes em homenagem a algum diretor ou algum filme. Os homens são únicos desde o nascimento. Por conta disso, às vezes sentem solidão no coração. Porém, na realidade, todos nós temos a experiência de ligação com alguém (ao menos a própria mãe). No final, as vidas são ligadas, conectadas. No início da minha carreira, eu produzia filmes para matar essa solidão… era isso. Agora, estou produzindo os filmes para retratar a beleza da ligação e conexão das vidas. (Idem)
O som nesses filmes aparece quase sempre em off, acompanhado por imagens do cotidiano de Uno em seu jardim, da natureza como ponto de equilíbrio e lugar de encontro. Sol Poente fecha a trilogia fecha desse ciclo da vida de Naomi, expondo que além de registrar imagens como memórias de boas lembranças, o cinema também é lugar de dor. A combinação de som e imagens não resulta em uma imagem dialética nem mesmo obrigatoriamente gera uma interpretação, mas sim retrata as buscas de uma mulher jovem que deseja conhecer sua própria origem, tentando completar a si mesma.
Os filmes de Kawase apresentam imagens que não têm a pretensão de ser simbólicas. O sentido aparece delas e permanece em suspensão, convocando à exploração da memória da cineasta. As sutilezas mais amplas ainda não percebidas são levadas em conta mais do que o próprio sentido. O ato de filmar é quase penetrar no que vê, seja algo como seus primeiros registros documentais, seja a pele de sua tia-avó. Em sua relação com a imagem, o afeto vem da imagem crua através do toque, do contato íntimo entre aparato e objeto.
Ou, pelo menos, é o que diz Brian Sewell, ignorando nomes como Georgia O’Keefe, Louise Bourgeois, Frida Kahlo e muitas outras. É verdade que Sewell estava apenas sendo misógino, mas sua fala nos lembra que o lugar da mulher na arte é sempre de resistência e marginalização. Aquele lugar pelo qual elas tiveram que lutar com unhas e dentes. Ainda assim, nunca serão vistas como merecedoras dele – elas nunca serão consideradas “grandes artistas”.
A ideia de dar as costas a esse conceito de “grande” em que só cabem homens me atrai cada vez mais.
Este é um espaço negativo. Por “espaço negativo”, refiro-me ao que está em volta do objeto, o que está vazio, em branco. O espaço positivo já está cheio demais, saturado, por isso procuramos um lugar para nós, mesmo que ele esteja além da margem do que é considerado importante, na esperança que as nossas vozes se juntem a outras e outras e outras… até que, juntas, nos tornemos algo maior.
Estamos cansadas do que é definido como “universal”, do papo que se aproveita de uma suposta neutralidade para transmitir ideias e estéticas que certamente são, também, políticas. Não esperamos que abram-se magicamente portas para nós, vamos nos fazer ouvidas, nossas críticas, nossas obras de arte, nossos filmes, nossas análises estão aqui para ficar. Somos mulheres, realizadoras, escritoras, queremos ocupar espaço, queremos escutar outras vozes e queremos ser ouvidas também, queremos mais cores, mais tamanhos, mais formas de olhar e mais formas de ser, queremos fortalecer e queremos ser fortalecidas.
Enfim, queremos mais do que nos foi dado, mais do que herdamos, mas sem esquecer das nossas raízes e o que nos tornou o que somos hoje. Assim, abrimos nosso Verberenas, um espaço negativo que deseja ser visto.
(o título desse post foi inspirado neste artigo e nessa notícia)
Esse texto foi escrito de forma colaborativa por Glênis e Amanda.