O quinto dia do Festival de Brasília merece um destaque especial, não apenas pelos filmes exibidos na noite de sexta-feira, mas também pela manifestação política que se deu durante a fala do diretor pernambucano Cláudio Assis. Depois do seu papel no episódio lamentável envolvendo a diretora Anna Muylaert no cinema da Fundação em Recife, o público brasiliense demonstrou sua revolta contra a misoginia do diretor com vaias e gritos de “machista”. Ficou claro, entretanto, que o público separou o diretor da obra ao aplaudir entusiasticamente o ator Matheus Nachtergaele quando este tomou a palavra.
Dos filmes exibidos no dia 19 de setembro escolhemos focar especialmente nos curta-metragens (considerados média-metragens pelo Festival de Brasília) Quintal, do mineiro André Novais, e Afonso é uma Brazza, produção brasiliense dirigida por Naji Sidki e James Gama.
Quintal
O filme Quintal de André Novais conta a história de um dia comum na vida de um casal de idosos que vive na periferia de Belo Horizonte. O filme é estrelado pelos pais do diretor, os carismáticos Maria José e Norberto Novais, que também protagonizaram o longa do filho, Ela Volta na Quinta. A Filmes de Plástico, produtora de Novais, também produziu outro filme da mostra competitiva do Festival de Brasília, o Rapsódia para o Homem Negro de Gabriel Martins.
Entre ventanias inexplicáveis e telefonemas misteriosos de políticos envolvidos em escândalos, é impossível não se afeiçoar ao adorável par de velhinhos que levam todas as situações absurdas como parte do seu cotidiano. O nonsense e a fantasia se misturam no média-metragem de Novais, demonstrando uma aguçada habilidade para o humor comprovada pelas risadas e palmas do público. É intrigante, entretanto, pensar de onde vem esse riso. Viria ele das situações inusitadas ou do fato de quem as vivem serem uma senhora negra e seu marido? E se esse for o caso, o que isso diz sobre o público do filme e das nossas expectativas?
Além do Festival de Brasília, o Quintal fez parte também da seleção da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, e não é muito difícil de entender por quê.
Afonso é uma Brazza
Afonso Brazza é, sem sombra de dúvidas, um mito do cinema brasiliense. Com oito longa-metragens realizados antes de sua morte aos 48 anos, nada mais justo que ele fosse homenageado pela arte que ele tanto amava.
A maior ironia de assistir Afonso é uma Brazza ser ovacionado no Cine Brasília durante o Festival de Brasília do cinema brasileiro é que nenhum dos filmes dessa figura mítica jamais foi selecionado para o festival quando ele era vivo. O documentário, que mistura imagens retiradas diretamente de seu penúltimo longa-metragem, Tortura Selvagem – A grade, making of do mesmo e entrevistas, possui uma leveza e humor tornam o filme uma experiência divertida, mas que é assombrada por essa consciência.
Os filmes de Afonso Brazza, com seu sangue falso, suas dublagens e histórias mirabolantes nunca foram levados a sério pelo Festival, mas o que alicerça todas as produções era coisa séria, sim: um profundo e genuíno amor pelo cinema. Amor este que levava Brazza a atuar, dirigir, montar, produzir, usar película vencida para filmar, fazer sangue falso a base de cola, corante e café. O filme podia muito bem cair na armadilha de explorar risada às custas de Brazza, ridicularizando sua ingenuidade, mas não é isso que acontece e assim que o filme ganha em profundidade.
O filme faz jus ao seu protagonista, trata-o com o respeito e não como um excêntrico, e, 12 anos após sua morte, conquista o reconhecimento que nunca lhe foi dado pelo Festival de Brasília.