Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras

DIRIGINDO ATORES NO CINEMA – PRÉ PRODUÇÃO E ENSAIOS

Dando continuidade ao primeiro texto sobre direção de atores no cinema, trago agora algumas sugestões mais específicas para trabalhar com atores em cada fase da produção de um filme. São dicas para diretores iniciantes – tanto estudantes quanto pessoas de outras áreas do cinema que queiram se aventurar na direção de filmes live action.

ROTEIRO

Como diretora, você deve conhecer muito bem a história que vai trazer à vida nas filmagens. Se for dirigir o roteiro de outra pessoa, converse com ela para descobrir os detalhes do que ela tinha em mente para o filme. Alguns diretores preferem não ter esse contato com a roteirista, e fazem o filme do jeito que visualizam apenas lendo o material. Acho legal ter essa curiosidade de entrar mais na mente da roteirista, mesmo que você não necessariamente vá seguir as ideias dela à risca. Você decide qual abordagem te agrada mais. Para os iniciantes, acredito que quanto mais trocas com outras pessoas, mais enriquecedor será o aprendizado.

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A diretora Anna Muylaert no set de Durval Discos.

Fazer um esboço dos pontos-chave da história e escrever a função das cenas ajuda a ter uma visão maior da estrutura narrativa. Diretores mais experientes podem fazer isso de cabeça, mas para os iniciantes escrever ajuda a visualizar mais facilmente a estrutura do filme, que nem sempre é tão clara para nós quanto pensamos. Em seguida, identifique qual a função de cada personagem na história e que tipo de relacionamento eles tem uns com os outros. E, logo após, uma das partes mais importantes para a direção de atores: tente escrever um breve backstory (história pregressa) para os personagens. Não precisa ser algo extremamente elaborado ou definitivo. Mas algo que te dê alguma noção de quem são aquelas pessoas, e o que elas viveram até o momento em que o filme se passa.

Essas informações do backstory não necessariamente precisam estar visíveis no filme. Elas funcionam mais como um guia para os atores entenderem o personagem, e para que você possa guiá-los. Também podem ser incluídos traços de personalidade, a relação que o personagem tem com outras pessoas, e outras coisas que você acredite que possam contribuir para a construção do personagem. Quando o roteiro for escrito por outra pessoa, essas informações podem já ter sido estabelecidas. Mas quando estão em aberto, ou quando o roteiro é seu, vale a pena criá-las.

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Atrizes no set de Mate-me Por Favor, de Anita Rocha da Silveira.

Uma opção interessante também é deixar essa parte do backstory para ser construída pelos próprios atores. Se você tiver tempo para ensaiar com eles e desejar ir por esse lado, eles podem trazer um frescor com novas propostas e te surpreender com ideias muito interessantes. O que você precisa é conhecer bem a história que quer contar, e saber avaliar quais ideias funcionam e quais não. O ensaio, afinal, serve para testar tudo isso.

Outra coisa importante: decupe o seu roteiro, isto é, liste os planos que pretende fazer em cada cena, escolhendo quais enquadramentos serão usados, quais ângulos, qual abertura, se terá planos gerais, closes, planos sequência, se a câmera será fixa ou na mão, etc. Entender de montagem em geral é uma necessidade para o diretor. Te ajuda a planejar melhor o filme e a calcular o tempo necessário para a filmagem. Além disso, os enquadramentos influenciam completamente como os atores serão percebidos pelo público.

Alguns diretores não gostam de decupar e preferem pensar nos planos na hora de filmar, algo que não recomendo aos iniciantes. A decupagem também pode influenciar em algumas decisões de direção de atores. Por exemplo, se você filma alguma cena com os atores improvisando, será muito difícil cobri-la em mais de um plano sem ter duas câmeras simultâneas, pois dificilmente o atores repetirão as mesmas performances no take seguinte, comprometendo a continuidade dos cortes. Pensar a montagem com antecedência traz mais controle sobre o resultado final.

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A diretora Tata Amaral.

ENSAIOS

O tipo de ensaio vai depender do tempo que você tem disponível, do filme que você está fazendo, e até de seu método de trabalho. No começo do ensaio, sugiro conversar com os atores sobre a história. Alguns deles tem uma abordagem mais intelectual, gostam de analisar o comportamento do personagem, suas motivações, etc. Outros são mais intuitivos e não tem tanta desenvoltura verbal para expressar tudo o que apreenderam, mas isso não quer dizer que não tenham entendido o personagem. Eles apenas trabalham de uma forma diferente. Você perceberá isso pela performance, se eles entregarem a atuação de acordo com as orientações que você deu. Alguns filmes também exigem o entendimento do contexto específico em que se passam, e você pode usar essa conversa para promover pequenos debates e fornecer material de pesquisa para os atores estudarem.

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Marat Descartes e Helena Albergaria em Trabalhar Cansa, de Juliana Rojas.

Após a conversa, você pode propor alguma dinâmica de aquecimento. O corpo é o instrumento do ator, então alongamentos, exercícios vocálicos e às vezes até aeróbicos fazem parte da preparação física para iniciar a parte prática do ensaio, e muitos atores já fazem um aquecimento individual antes de começar. Você pode propor algum exercício desses em grupo, e até mesmo você e seus assistentes podem participar, afinal, é sempre bom se alongar.

Você pode fazer em seguida algum exercício de imersão (colocando a mente dos atores no clima da cena). Alguns livros de cinema trazem sugestões de vários exercícios para experimentar. Obviamente, escolha os que tenham mais a ver com o filme que você está fazendo. Se é um filme cômico, escolha exercícios mais energéticos, que coloquem seu elenco no estado de espírito desejado. Se o filme é dramático, escolha os que tragam a densidade que você pretende, e assim por diante. Improvisações costumam ser muito boas para esse propósito também, e ajudam os atores a entrar em seus personagens.

A próxima etapa é passar o texto, com os atores lendo o roteiro e interpretando. É até desejável que eles ainda não tenham decorado suas falas no primeiro ensaio, pois fica mais fácil para você fazer ajustes nos diálogos, caso seja necessário. Porém, já que eles estarão lendo, você também não verá a atuação como ela realmente será, pois os atores estão olhando para o papel e não uns para os outros. Se você tiver a possibilidade de fazer vários ensaios, comece com a leitura, e perto dos últimos peça para os atores decorarem o texto, e aí sem o papel você poderá ajustar maiores detalhes na performance deles.

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A diretora Katia Lund no set de Cidade de Deus.

Uma dica importante é filmar os ensaios. É interessante ter um assistente que faça isso, para você poder prestar atenção nos atores. Quando chegar em casa, assista o material, você poderá notar coisas que passaram despercebidas na hora.

Os direcionamentos aos atores é uma das partes mais importantes de se praticar nos ensaios. É comum que diretores iniciantes não saibam expressar sua visão e deem instruções confusas. Evite falar coisas do tipo “nesta cena você tem que estar feliz como se tivesse acabado de ganhar seu primeiro neto”, se isso não tem nada a ver com a cena. Se o personagem é tomado por uma imensa felicidade porque conseguiu um desconto na academia, procure fazer o ator entender porque o personagem entrou nesse estado de espírito.

Dar direcionamentos em forma de perguntas costuma ser muito eficaz, porque força o ator a pensar e se conectar mais ao personagem: “Por que esse desconto é tão importante para você?”. Ao que ele pode responder “Porque meu personagem está desempregado há meses e essa foi finalmente uma oportunidade dele sair do marasmo, fazendo uma atividade por um preço acessível”. Aí você pode investigar junto ao ator o peso do desemprego na vida do personagem, a importância da atividade na academia, e chegar ao entendimento de qual tipo de felicidade ele deve expressar ao conseguir o desconto.

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Cena do filme Mate-me Por Favor, de Anita Rocha da Silveira.

Uma coisa muito tentadora é tentar demonstrar a performance que você espera do ator para que ele te imite, mas recomendo evitar. Preste atenção nos detalhes físicos da performance. É comum atores de teatro projetarem muito a voz, por exemplo, pois são treinados para tal. Em uma cena de discussão, um ator teatral pode acabar aumentando muito o volume da voz sem perceber. Às vezes os atores também fazem algum gesto corporal que você quer eliminar, mas eles tem dificuldade de notar e corrigir o tal gesto. Ou o contrário, você quer que o ator gesticule mais, mas ele continua muito contido.

Para isso, eu costumo usar a técnica do espelho. Alguns atores tem resistência a olharem para si mesmos, com medo de mecanizar a ação, mas esse método costuma ser bem eficiente sempre que o uso. Fazendo a cena diretamente para o espelho, seja no ensaio ou em sua própria casa, o ator consegue visualizar sua expressão corporal e identificar mais facilmente o que você quer que ele mude. Quanto à voz, se o ator está com dificuldade de perceber onde está o problema, você pode filmar ou gravar a cena e mostrar para ele em seguida.

Elogios também fazem parte do processo. Receber feedback positivo é bom para os atores saberem quando estão acertando. Porém, uma boa dica é fazer elogios gerais, e, quando tiver críticas, apontar coisas específicas. Dessa forma, o ator não viciará em um gesto que você achou genial (ele pode querer ficar repetindo o mesmo elemento para te agradar) e também saberá especificamente onde estão as falhas para corrigi-las. Se a crítica for geral, o ator pode pensar que a performance inteira está comprometida. Claro que se o ator também perguntar “esse elemento específico aqui ficou bom?” você pode ser sincera e dizer que sim, se tiver gostado.

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A diretora Vera Egito no set de Amores Urbanos.

Por fim, é bom prezar pela a concentração. Atores podem ser pessoas bastante sociáveis, e muitas vezes se dão bem uns com os outros e com a equipe de filmagem, o que é ótimo. Mas você também deve estar atenta para a concentração, que pode ser facilmente perdida em momentos como erros de falas, em que todos riem, ou em curtas pausas que acabam virando momentos de descontração mais longos do que deveriam. É importante ter alguns intervalos se os ensaios forem longos. Mas procure ter horários mais ou menos definidos para eles, para que o ensaio tenha uma rotina e os atores se acostumem a cumpri-la.

A dinâmica do set de filmagem é muito fragmentada, com muitas distrações, a equipe fazendo mil coisas a todo momento, e se os atores perderem a concentração entre os takes, pode-se perder tempo precioso de filmagem. Atores e equipe mais experientes costumam saber disso, mas é comum em filmes universitários ambos acabarem negligenciando essa questão. Se isso ocorrer com frequência nos ensaios, procure chamar o foco de volta para os exercícios e para a cena. Já no set de filmagem, você terá muito mais coisas para lidar, podendo delegar essa função para a assistente de direção.

Na próxima parte deste texto falarei sobre direção de atores no set de filmagem – que costuma ser muito mais frenética e desafiadora que nos ensaios – e também na pós-produção. Você pode ler a primeira parte do texto, com dicas mais gerais, clicando aqui. E em breve haverá outro texto falando também sobre como preparar castings (audições para escolha do elenco).


Ilustração por Morgue.

DIRIGINDO ATORES NO CINEMA – DICAS GERAIS

Uma coisa que me chamou atenção estudando cinema no Brasil e nos Estados Unidos foi que alguns cursos de cinema não dão tanta atenção para a direção de atores. Além de oferecerem poucas aulas (ou nenhuma) sobre o assunto, os departamentos de audiovisual e de artes cênicas em geral conversam pouco entre si e não possuem aulas em comum. Os estudantes de cinema acabam aprendendo a lidar com os atores somente na prática, ou indo atrás de informações por conta própria.

No Brasil há o fenômeno do preparador de elenco, e alguns estudantes acreditam que esse profissional deve substituir a função do diretor na comunicação com os atores, ou até mesmo que ele é necessário em todos os filmes. Na Universidade de Brasília, onde estudei, era comum os alunos incluírem alguém na equipe somente para preparar o elenco, mesmo quando ele era formado por atores bons e experientes. Como foi uma das coisas que mais estudei durante a graduação, trago aqui algumas dicas sobre direção de atores para estudantes que desejam dirigir filmes live action, e também para pessoas que trabalham com cinema em outras funções e queiram passar para a função de direção.

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Anna Muylaert dirigindo Glória Pires em  “É Proibido Fumar”

Primeiramente, acredito na premissa de que ter alguma experiência como atriz ajuda na hora de dirigir atores. Você estará do outro lado, terá que analisar as informações sobre o personagem e como expressá-las, vai experimentar como é ser dirigido por alguém, como é interagir com outro ator na cena, como memorizar falas, e também entender o esforço corporal e vocal que a atuação exige. Portanto, sugiro que quem tem interesse em dirigir procure experimentar alguns cursos ou oficinas de atuação. Eles também ajudam a adquirir algum repertório de exercícios, o que pode ser bastante útil em ensaios com o elenco.

Segundo, é importante saber escolher seu elenco. Pretendo escrever posteriormente um texto com dicas específicas para casting (produção de elenco). Embora grande parte da escolha dos atores dependa da intuição da diretora, existem algumas técnicas específicas para identificar se o ator realmente se encaixa no papel pretendido, se sabe seguir direcionamentos, se é bom em improvisação, se é responsável e pontual. São coisas que, acredite, podem fazer a diferença no set de filmagem.

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Ava DuVernay discute a cena com o ator David Oyelowo no set de “Selma”

Escolha pessoas que trabalhem bem com você. Não tem problema chamar seus amigos para atuar, principalmente nos trabalhos de faculdade, em que você não tem muito tempo e precisa de pessoas que sejam fáceis de trabalhar. Porém, é bom ter em mente que fazer cinema demora e envolve muitas repetições – deixe seus amigos cientes disso, para eles não te abandonarem no meio do set! Além disso, não perca a chance de trabalhar com atores que conhecem técnicas de atuação, sejam estudantes de artes cênicas ou profissionais. Já vi colegas que resolveram atuar eles mesmos em alguns trabalhos de faculdade, abrindo mão da chance de treinar direção de atores com pessoas que realmente estudam pra isso.

Outra maneira de escolher atores é por meio de convite, quando você já conhece o trabalho da pessoa e imagina que seria uma boa opção para um papel em seu filme. Já trabalhei com indicações às cegas também, quando eu não conhecia a atriz e confiava na recomendação de amigos da área, mas indico essa prática mais para trabalhos universitários com prazos curtos, onde você não tem muito tempo para ir atrás do elenco e precisa de soluções rápidas (embora eu sempre tenha tido sorte com ótimas indicações).

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Sofia Coppola com Scarlet Johansson no set de “Encontros e Desencontros”

Quanto a ensaios, é uma coisa que você deve tentar fazer o máximo que puder durante a faculdade. Incrivelmente, pode ser uma coisa bem difícil de se conseguir. Só quem já teve que conciliar a agenda de várias pessoas sabe o inferno que é conseguir um dia em que todos estejam livres. Porém, para diretores inexperientes essa é uma das partes mais importantes. É no ensaio que você vai testando suas habilidades com os atores, vendo como eles respondem, quais técnicas dão certo e quais não. Existem vários livros com exercícios que podem ser feitos, dependendo do que seu filme precisa, do seu elenco, e do nível de energia e de atuação que você deseja alcançar.

Se não for possível ensaiar com os atores que contracenam, ao menos converse individualmente com cada um sobre seus respectivos personagens. Claro que direção é uma função que necessita de habilidades amplas. Algumas diretoras tem mais afinidades com outras áreas, fotografia, direção de arte, etc. Mas parte da tarefa de direção é inevitavelmente dar algum direcionamento aos atores, e é nessa hora dos ensaios onde se pode praticar. No cinema profissional (ou mesmo no universitário) nem sempre se tem a oportunidade de ensaiar antes de filmar. Quando você tiver que dirigir atores que nunca se viram antes do dia da filmagem, essa experiência adquirida previamente vai fazer a diferença.

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Laís Bodanzky dirigindo Caio Blat no set de “As Melhores Coisas do Mundo”

Existem diversos tipos de atores: os que são bem seguros com o texto e decoram as falas certinho, os que gostam de improvisar, os que preferem um forte direcionamento, os que gostam de intervir na construção do personagem, e outros mais. Veja o quanto você está disposta a deixar o ator construir o personagem com você. Eu particularmente gosto de dar essa abertura, e em alguns trabalhos deixo os atores construírem boa parte do texto. Isso nem sempre é possível, depende do tempo disponível na preparação e do filme que você está fazendo. Alguns diretores preferem que os atores entreguem fala por fala do jeito que está no roteiro. Outros permitem que os atores improvisem na hora da filmagem. Com a prática você acaba descobrindo com qual forma gosta mais de trabalhar.

Porém, tenha em mente que é preciso saber conciliar a performance de atores que usam métodos diferentes, quando eles vão contracenar. A diretora Anna Muylaert já comentou em entrevistas que em seu filme Durval Discos, a atriz Etty Fraser decorava fala por fala, e precisava da deixa específica do outro ator para entregar sua parte do diálogo. Já Ary França, que contracenou com Etty, gostava mais de improvisar, e não seguia à risca o roteiro. Anna trabalhou com os dois para que Ary conseguisse incluir a deixa ao final das improvisações, para que Etty não se perdesse. Esse é um exemplo claro, mas no geral essa “conciliação” entre os atores se dá de forma mais sutil, no nível de equilibrar as intensidades das atuações, o tempo de aquecimento, e até mesmo o conforto de um com o outro em cena.

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Etty Fraser e Ary França em “Durval Discos”

Falando em tempo de aquecimento, isso também é um deta

lhe importante na hora de filmar. Existem atores que chegam à performance ideal muito rápido, começam bem aquecidos, vão cansando com o tempo, e sua performance cai de acordo. Outros demoram algum tempo até “dar no tranco” e entregar a atuação ideal. Prefira começar filmando os closes do ator que aquece mais rápido. Há também os atores mais seguros, que conseguem manter uma boa performance por bastante tempo, que geralmente são os mais experientes. E há os que são bastante instáveis, mas que em lampejos de genialidade conseguem entregar uma atuação espontânea e emocionante. Esses últimos, embora fascinantes, são dos mais desafiadores de se trabalhar, já que o cinema tem uma particularidade que precisa ser praticada: a repetição. É preciso bastante observação para descobrir que técnicas funcionam melhor com esses atores para mantê-los no pique. Vários atores de teatro também não estão tão acostumados a repetir pequenos pedaços de cena com a frequência exigida em algumas filmagens. Isso pode ser bem cansativo, e também entediante para o ator, o que afeta sua performance. Nesse caso o problema não está na direção, mas na falta de familiaridade do ator com a rotina de sets de filmagem.

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Laís Bodanzky no set de “As Melhores Coisas do Mundo”

No cinema é muito comum filmar fora da ordem do roteiro. Os atores tem de saber localizar qual é o estado do personagem em cada cena. Muitas vezes se filma cenas do começo e do fim do filme no mesmo dia. O ator deve estar preparado para fazer esse salto na atuação, e você como diretora também tem de saber muito bem as especificidades da cena e do personagem para saber orientá-lo.

Outro fator que também afeta a atuação é o conforto. Alguns sets ou cenas podem ser cansativos ou incômodos: um dia muito frio, ou debaixo do sol, ou uma cena que exija muito trabalho físico ou emocional. É sempre bom verificar se há algo que possa ser feito para preservar um mínimo de conforto para o elenco. Sempre tenha assistentes com água por perto, agasalhos, guarda-sol, cadeira, chinelos, e outras coisas a que eles possam recorrer entre os takes. Já tive que trabalhar com atores se queixando de dor de cabeça, cansados, com frio, com fome. São coisas que certamente prejudicam a performance. Porém, sabemos que set de cinema é corrido sempre, e os atores também fazem (ou devem fazer) uma força para trabalhar mesmo com alguns incômodos. Isso faz parte do trabalho, e também depende de treinamento.

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Sofia Coppola dirigindo Bill Murray em “Encontros e Desencontros”

É importante ressaltar: o ator não é sua marionete. Abusos de poder são bastante comuns em relações hierárquicas de todo tipo. Nesse caso, o diretor pode se valer da vulnerabilidade inerente ao exercício da atuação. Pergunte a qualquer ator, vários serão capazes de citar experiências em que o diretor fazia jogos constrangedores não consentidos como “técnica” para impulsionar a performance, gritava com o elenco, não escutava o que o ator tinha a dizer, era autoritário, enfim. Eu, que comecei como atriz em teatro, passei por vários desses. E vejo algumas das mesmas práticas sendo perpetuadas no cinema. Muitas de forma velada e sutil também, mas não menos desrespeitosas.

Há os casos famosos: quem nunca ouviu falar de Lars Von Trier torturando suas atrizes? Ou Kubrick? Ou Hitchcock? Ou David O. Russel dando chilique no set? Só pra citar alguns dos mais conhecidos. Existe um viés de gênero digno de ser ressaltado: as atrizes sempre muito mais sujeitas a abusos. Posso citar também os métodos de Fátima Toledo, a preparadora de elenco mais famosa do Brasil, como uma dessas técnicas “viscerais” que mexem fortemente com o psicológico dos atores. Muitos atores gostam delas, principalmente por serem bastante desafiadoras. Mas a popularidade de Fátima e algumas técnicas do Método americano, dentre outros (vide a glamourização de Edward Norton, Jared Leto e outros que fazem loucuras para “entrar no papel”) de uma certa forma contribuem para a difusão da ideia de que atores são pessoas que só funcionam quando manipuladas. Que você pode livremente tentar usar uma técnica mais “dura” ou invasiva em nome da arte. Minha dica: não seja essa pessoa. Atores estudam, praticam, e trabalham muito para atingir excelência na sua profissão. Não é por meio de manipulação ou gritos que eles chegam lá. Embora esse tipo de atitude seja bastante tolerada sobretudo quando vem de diretores homens, ela apenas mascara, a meu ver, um desejo autoritário e sádico do diretor.

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Ava DuVernay abraçando suas atrizes mirins: seja essa pessoa.

Por fim, tente sempre ouvir o que os atores tem a dizer. Alguns deles apenas seguem sua orientação, outros contestam mais, ou trazem visões diferentes sobre o personagem e a história. E muitas vezes eles podem ter razão. Ouça e reflita sobre as opiniões deles. Caso discorde de algumas, lembre-se que quem tem a palavra final é você. Do mesmo jeito que você não deve ser autoritária e impor sua visão a qualquer custo, também não precisa ceder a opiniões dos atores e da equipe se discorda delas. No fim, a diretora é quem tem a responsabilidade artística da obra, e as escolhas do filme serão atribuídas majoritariamente a você.

Nas próximas partes desse texto falarei sobre técnicas específicas para serem usadas nos ensaios, trabalho no set e até mesmo na pós produção, além de um futuro texto com dicas sobre como preparar e executar castings.

Leia aqui a segunda parte do texto: SOBRE DIRIGIR ATORES NO CINEMA – PRÉ PRODUÇÃO E ENSAIOS 


Ilustração por Morgue.