“A beleza está dentro de nós, que olhamos” é a segunda de quatro entrevistas que iremos publicar ao longo do ano. As entrevistas são parte da minha pesquisa de mestrado, que reflete sobre os olhares agenciados por diretoras negras do cinema brasileiro. Ao longo de dois anos e meio pude acompanhar, refletir e conversar com Viviane Ferreira, Everlane Moraes, Glenda Nicácio e Renata Martins. A pesquisa foi realizada pelo Programa de Pós Graduação em Meio e Processos Audiovisuais da ECA/USP com auxílio da FAPESP e do CNPq.
A conversa com Everlane Moraes aconteceu em abril de 2019 durante a 4ª edição da EGBÉ, na qual Everlane Moraes foi homenageada, em Aracaju (SE). Everlane é natural de Cachoeira (BA), mas foi na capital sergipana, mais especificamente no Quilombo Caixa D’água, que ela passou grande parte da infância até o início da vida adulta. O quilombo e seus moradores são os personagens principais de Caixa D´água: qui-lombo é esse?, o filme que inicia sua filmografia. Em 2015, Everlane ingressou na Escuela de Cine y TV de San Antonio de Los Baños (EICTV), em Cuba e lá, seu cinema encontrou um interessante diálogo afro-americano. Na entrevista conversamos sobre filosofia, fábulas, mitos e desejos. Aproveite!
Lygia Pereira: Everlane, me conte um pouco sobre sua trajetória.
Everlane Moraes: Eu venho das artes plásticas, que é minha primeira área de estudos, pela qual eu tenho muita paixão. Nesse percurso também estudei um pouco de Filosofia da Arte, principalmente, semiótica, iconografia, iconologia das imagens, que é a parte que eu mais gosto nos estudos das artes plásticas. O curso que fiz é de licenciatura, metade bacharelado e metade licenciatura. Quem tem aptidão artística como eu, que bom, mas quem não tem fica nessa parte teórica da História da Arte ou da Licenciatura. Então eu consegui conciliar as duas áreas no mesmo curso. E quando você está estudando Filosofia da Arte, consequentemente você já estuda Filosofia em si. Como meu irmão é filósofo, eu tive acesso à filosofia grega e à filosofia moderna também, em casa, o que me deu uma base boa pra eu entender depois filosofia ocidental da arte.
E por isso que eu busquei mais o cinema, porque era uma arte que me possibilitava expandir mais essa coisa das artes visuais e até implementar meu processo plástico, que seria da pintura, das artes plásticas tradicionais, para o cinema, onde eu transponho de maneira super tranquila. Por isso eu acho que meus filmes são tão plásticos. Então, acho que minha base seria essa, filosofia e artes. E dentro dessas duas coisas o que eu mais gosto de estudar, real, é a questão da linguagem cinematográfica, a linguagem das artes em si ou o pensamento em torno da expressão artística de maneira geral, universal, mais especificamente trazendo o recorte para a diáspora. Hoje o meu desejo é estudar filosofia africana, pois no meio disso tudo, quando a gente estuda filosofia, a gente estuda também sociologia, antropologia, fenomenologia, todas essas logias que giram em torno da imagem, giram em torno do social, giram em torno da cultura. Eu gosto, acho que tudo isso se complementa.
L: Eu queria ouvir um pouco mais sobre o “Pattaki”. Desde a sua criação a sua concepção, porque ele é um filme de muitas camadas, tem muitas metáforas e acho que ele traz muito forte essa questão da iconografia múltipla, que você fala.
E: Em “Pattaki” eu queria marcar a presença do mar no filme. Eu gosto muito do mar, eu sou filha de Iemanjá, e é um elemento muito forte, a gente sabe que na diáspora é um elemento central na nossa narrativa, porque o mar nos levou, o mar nos trás, é o mar da escravidão, o mar dos barcos. O mar que é esse orixá forte que rege todas as culturas afro no mundo, este elemento da Deusa do mar que é muito forte. Então, eu queria fazer um filme sobre isso, aproveitando que eu estava Cuba, eu estava numa ilha, onde somos rodeados pelo mar. Também tem essa presença do meu orixá, que cada vez mais se aproxima de mim. Mas esse elemento do peixe que é muito interessante, do peixe enquanto personagem, enquanto um ser dúbio, completamente dúbio, eu gosto muito do peixe. Antes, era um filme sobre Sikán, uma rainha africana que foi condenada e morta por supostamente contar o segredo sagrado ao seu amante e que deu origem a uma seita secreta cubana chamada Abakuá, única no mundo. Pesquisei muito, fiz 23 páginas de projetos e tava tudo certo pra fazer, mas comecei a adoecer, teve umas coisas meio loucas, de ameaça, meio complicadas, porque esse tema é extremamente complicado, então eu tive que abandonar esse tema. Mas aí eu já tinha a vontade de fazer um filme sobre um relato mitológico, eu gosto muito das mitologias enquanto relatos (…) Eu queria transformar a mitologia em imagens, o que também já foi feito no cinema várias vezes, mas eu não tenho muito conhecimento em relação ao documental. Se fez muita mitologia em ficção, mas não documentário em si. Na verdade, na Itália, teve até um cara que pesquisei, um branco aí que eu pesquisei. Ao mesmo tempo eu queria fazer uma mitologia que tivesse essa coisa dos orixás, essa coisa de força sobrenatural, alguma coisa cósmica, mas queria ter como base o social, a vida e a sociedade cubana. O intento foi esse, o de juntar essas duas linguagens, a oralidade dos mitos com a paisagem contemporânea de Cuba transformada, elevada a algo mágico, como se Cuba fosse um lugar mágico. Que essa coisa misteriosa e mágica de Cuba tomasse conta da paisagem social e moderna de Cuba. Então, eu inventei um pataki.
L: O que é pataki?
E: Pataki significa mito, em Cuba. Só em Cuba existe o pataki para a Santería, A Regra de Ocho ou Ifá. Pataki quer dizer “os caminhos dos orixás”. Cada orixá tem seu caminho, então, por exemplo, o livro de Reginaldo Prandi tem vários patakies, que pra gente não tem esse nome. Mas são vários mitos e cada orixá vai ter o seu caminho, seus mitos, seus relatos que dizem um pouco sobre seu poder, sua psique, seu modo de agir no mundo, sua função. Um mito sempre explica a origem de algo. Por exemplo, a gente explica a presença do mal, dos males no mundo através do mito de Pandora, porque Pandora abriu a caixinha lá de Prometeu, seu marido, e ela com sua curiosidade de mulher abriu a caixinha e nela estavam presos todos os males do universo. A partir da hora que ela abriu, esses males surgiram. Os homens antigos, ao tentarem explicar os males que existem, contavam uma história ou se remetiam a um mito para explicar a origem de algo.
Então, eu inventei esse mito para falar um pouco sobre o porquê dessas pessoas ou no caso, esses peixes viverem se afogando ou viverem sufocados fora da água. Por que eles não estão na água? Por que eles estão dentro de um aquário? Que é porque eles são regidos por limitações sociais ou limitações humanas. A mulher peixe, por que ela não respira? Por que esse peixe não respira? Porque esse peixe está escondendo algo, sua essência. A partir do momento que esse peixe tirar sua máscara, como a sereia [personagem trans do filme], ele vai conseguir respirar melhor. É uma metáfora sobre algo que o ser humano esconde, o que ele tem de mais íntimo dentro de si e ele esconde, passa a viver sufocado.
São analogias simbólicas para explicar alguns comportamentos, algumas situações humanas. Por que a gente é tão ganancioso, né? A ganância acaba levando a gente pra algum lugar. Então aquela mulher dos cubos [personagem do filme] é isso, o medo e a ganância levando a gente a se afogar nos nossos próprios medos. Por que o homem se protege nas suas casas, fazendo muros, fazendo contenções, fazendo barreiras que o separam da sua própria natureza ou da natureza em si? Como o Malecón [estrutura de concreto que percorre 8 km da faixa do mar em Havana, Cuba], por exemplo, que separa a cidade do mar, como os prédios e tudo. Chega um dia que a natureza pede de volta, o homem vive com medo que um dia a natureza peça de volta o que ele tenta controlar. A mulher cega [(personagem do filme] representa a fé. Como é que a gente acredita que algo vai curar uma coisa que é incurável? Só através da fé. Ao mesmo tempo que o homem construtor [personagem do filme] tem medo de que essa chuva venha, pois pode desfazer o que ele construiu para se proteger, a mulher cega espera a chuva, que para ela é sagrada. A água é o elemento da vida. Sem a água a gente não vive, existem vários elementos que giram ao redor da água. Agora, e que água é essa? Essa água é essa Deusa. É Iemanjá que tudo vê, tudo controla e tudo castiga também, tirando um pouco de água, dando um pouco de água, tirando aos pouquinhos. E o ser humano vive à mercê dessa força maior.
L: Queria voltar na questão da mitologia. Estou bastante interessada em pensar o Paul Gilroy. Lá no Atlântico Negro ele vai falar dos navios até o diskman como canais de transmissão mitológica. E eu tenho pensado muito no cinema, em como ele pode ser também esse canal de transmissão de modos de viver, modos de pensar a diáspora africana. E aí, por exemplo, no La Santa Cena você parte da representação da Última Ceia do Da Vinci para subvertê-la. Eu queria saber se você busca fazer esse “caldo mitológico”, misturar mitologias ocidentais. Por exemplo, o galo (personagem do filme La Santa Cena) é importante pra mitologia cristã também né?
E: Sim, com certeza. Eu gosto muito dessa coisa de dominar um certo tipo de linguagem universal ou ocidental e dar a ela uma roupagem dentro da cultura afro. Porque a cultura branca é muito influenciada pela cultura negra, a gente só foi forjado, interrompido. E a gente consegue assimilar a cultura do branco e ressignificar dentro da nossa própria cultura, diferente do branco que não consegue assimilar a cultura do negro, a não ser impondo os seus códigos.
L: Que é um pouco o que é o cristianismo, né?
E: É, o branco impõe seus códigos e o negro mesmo com códigos impostos consegue ressignificar dentro da sua própria cultura, isso pra mim é nossa maior resistência, a gente resiste porque a gente não impõe, a gente complementa, dá uma nova roupagem. Assim como, por exemplo, a gente é tão simbólico que Iemanjá pode ser Nossa Senhora Aparecida, sabe? Não tem problema, a gente tá falando da água, de uma energia maior que é a água. Se um branco crê que essa senhora branca é essa água, a gente também tem uma deusa que é a água, então a gente traz pra gente, complementa as nossas potencialidades com outras potencialidades, é uma coisa muito mais aberta para assimilar. O que eu gosto muito também é de rebaixar essa presença branca ou essa legitimidade branca universal e do poder oficial e ressignificar esse próprio poder do branco, melhorando-o, quando o transformo em coisa preta.
Eu tento fazer uma iconografia que entre em contato direto, em crítica direta ou diálogo direto com outra iconografia que foi imposta. Então se você diz que a Santa Cena é essa, eu digo que a Santa Cena é esta. É uma disputa de poder simbólico. Eu gosto de disputar simbolicamente com o branco, nesse sentido, entendeu? Porque nós temos simbologias muito potentes que foram invisibilizadas. Isso o que você falou é muito interessante, de que o galo é um elemento tão cristão, né? Mas é um elemento tão afro também. Eu gosto de ficar brincando, criticando, fazendo diálogos com a história oficial, é isso. E rebaixando ela à superficialidade, mostrando a ela realidades maiores, mais simbólicas.
L: Você acha que isso é fábula pra você?
E: Não… não. Acho que isso é a parte Everlane conceitual, Everlane crítica, Everlane que quer brincar mesmo… que detém o poder, detém o poder da fala e da imagem e quer brincar e dialogar com essa história oficial de bosta. Mas a parte da Everlane da fábula é a parte da minha cultura, em si. Embora eu seja uma negra até muito culturalmente ocidentalizada, que conhece muito da história do branco, que consegue navegar por esse lugar com muito conforto, eu também sou muito, muito negra. Eu gosto da cultura negra, eu gosto de pesquisar isso, eu acho maravilhoso. Eu acho que a potência está aí. Em tudo isso que eu faço eu quero potencializar a minha cultura, que é o que eu acho que há de melhor no Brasil, no mundo. Esse é o meu lugar de conforto, que eu nunca vou sair e que não é uma coisa que eu sinta que é uma imposição minha, de me legitimar nos espaços, não. Pra mim é onde está a potência.
Eu nasci em Cachoeira, eu não tenho como fugir, eu nasci em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, fui criada num quilombo. São coisas que estão em mim, compromissos ancestrais que estão em mim, que não saem, são missões que estão em mim, concepções de vida que estão em mim, modos de vida que estão em mim e questões conceituais que estão em mim e que eu acho que eu nasci pra isso, minha missão é essa. Eu não sinto outra coisa dentro de mim, desde pequena, é um lugar confortável. Então como eu tive muito acesso ao universo branco e via como eles diminuíam a gente, eu abracei essa causa. Estar o tempo todo lidando e batendo de frente com o branco, usando a própria linguagem dele para destituir. Usando a própria linguagem dele pra rebaixar o status dele, não como obsessão, mas como proposição, embate. Um processo de retorno ao que foi tirado de nós.
L: Se você puder falar um pouquinho mais sobre a questão da linguagem e como você vê essa ponte entre a linguagem e a filosofia afro-diaspórica.
E: Preciso conhecer muito mais da África, nós conhecemos muito pouco da África. Eu sou muito autodidata, sou uma acadêmica extremamente rebelde e eu trabalho muito na fragmentação. A gente da diáspora é muito fragmentada, somos seres multi.. é… polivalentes, multifacetados e fragmentados, eu gosto dessa ideia de fragmentação e de não conhecer tudo da África e deixar espaço pra essa idealização que eu tenho da África, sabe? Eu não quero aterrissar completamente numa África que não existe, que está somente na nossa cabeça e no nosso coração, que tá dentro do terreiro. Eu gosto muito de estar nesse lugar, de uma Everlane que está muito idealizada, uma Everlane que está muito utópica. Eu tento conciliar o saber alguma coisa, com o não saber nada e o saber um pouco sobre, porque aí sobra espaço pra eu fabular o que eu quiser. Eu gosto muito desse limbo, que é o que eu acho que eu vivo, entre ser brasileira e ser africana. Às vezes eu sou muito brasileira, às vezes eu penso e sinto ter algo de África, às vezes eu não sou nem uma coisa nem outra ou sou as duas coisas. Eu prefiro estar nessa fronteira muito tênue, de estar flutuando, de não saber se eu sou uma coisa ou sou outra, de buscar uma referência aqui, uma referência lá, de buscar.
Eu acho que a gente tem que conhecer mais de África, primeiro, a gente conhece muito pouco. Eu não me sinto muito confortável de estar representando África ou estar dizendo que eu sou África. Eu sou brasileira, afro-descendente e tenho uma ancestralidade africana que eu não sei completamente qual é, porque é muito difícil você saber de qual povo você veio, é uma mistura de povos, é uma série de coisas. Tampouco eu sou um tipo de negro que nasceu dentro do Candomblé, como nossas mães-de-santo, nossos pais-de-santo que já nasceram feitos santo, que viveram muito tempo dentro do terreiro, que não tiveram acesso às universidades, a viajar pelos festivais, a ter contato com o branco como a gente tem. Então somos negros influenciados por essa outra cultura imposta. Sou do candomblé, mas meu caminho de retorno às minhas origens é muito tortuoso, diferente de uma irmã de santo que nasceu ali, que não foi tão influenciada quanto eu pelo “de fora”. Sou da Bahia, mas não sou da Bahia também. Eu sou uma negra influenciada por uma outra cultura, porque tive acesso a outras coisas. Então isso também é uma coisa que limita, a gente conhece uma África muito mais acadêmica, uma África muito idealizada. Tem sido um caminho tortuoso de retorno, mas que tá me fazendo muito bem, completando um vazio que existia dentro de mim.
A linguagem pra mim é uma questão do que eu gosto. Eu gosto de observar, eu gosto de colher elementos simbólicos, elementos sociológicos e elementos plásticos. O que mais me enche os olhos são as cores, a alegria, a música, a comida, o cheiro, essa cultura que é tão sensitiva. No Candomblé, por exemplo, o nosso Deus vem dançar com a gente, ele entra dentro da gente, ele é a gente. O que a gente cultua são elementos naturais, é físico, tudo tem textura, tudo tem cor, tudo tem alegria, tudo tem música, tudo tem brilho e é isso que eu trago pro cinema, não é nada além disso. Utilizar a luz ao nosso favor, utilizar a linguagem do cinema ao nosso favor para acentuar a beleza que a gente tem, acentuar a complexidade que a gente tem e que é. Somos seres misteriosos, por isso que o branco, a sociedade branca tem medo da gente, porque a gente mesmo sofrendo por 500 anos de colonização, sofrendo tudo que a gente sofre até hoje, a gente tá vivo até hoje, sendo lindos, sendo felizes, ressignificando, fazendo música.
A gente não morre nunca, a gente tem um poder tão grande que é por isso que a gente foi escravizado, por isso que a gente é invisibilizado, porque há um medo muito grande em relação a gente. Eu tento usar a técnica do cinema, a linguagem a nosso favor, acho que toda arte faz um pouco disso, valorizando o que não foi valorizado. Não é algo gratuito, não é superficial, meus filmes são filmes de gesto. O meu gesto, a sensação, é como se eu estivesse pintando. Eu pinto com luz, pinto com foley, pinto com textura.
L: Seus filmes são muito silenciosos. Você vê alguma ligação com a oralidade da cultura afro-brasileira?
E: Eu vejo. A literatura, principalmente a oral africana, é muito voltada pra palavra obviamente, mas não é uma palavra objetiva, não é uma informação, é uma contra-informação. Existe nossa imagem do Preto Velho, o que é o Preto Velho? Preto Velho é uma entidade eminentemente brasileira, ele nasceu escravo, diferentemente de quem veio escravizado, ele foi um escravo que já nasceu de pais escravos, em que seu contexto já foi de escravitude desde pequenininho. Ele cresceu como escravo e ele ficou velho, o que é uma coisa muito rara, porque geralmente os escravos duravam 30 anos. Esse preto velho chegou aos 60, 70 anos, só essa resistência eleva ele a um patamar de ancestralidade e importância dentro da comunidade negra que não tem precedentes, é um cara que conseguiu ver muitas coisas. Então ele se torna um conselheiro desse lugar, uma pessoa que aconselha e conta histórias, porque ele tem memória, tem vida pra poder ter esse porte, esse cargo. Quando você escuta uma história, por exemplo, uma história mitológica, fabular, ela sempre quer dar uma sentença, né? Sempre tem no final uma moralidade, é para ensinar algo, é para você refletir. São coisas muito didáticas, mas faladas de uma maneira muito circular, meio misteriosas, nunca é uma informação direta, é uma informação fabular, por quê?
Porque o que se espera dessas histórias é que a pessoa fabule imagens, que dê tempo da pessoa pensar, refletir, buscar caminhos, que não é o caminho direto, é um caminho muito mais interior. Então eu acho que meus filmes tentam um pouco disso, serem menos diretos e fazerem mais curvas.
Eu sou menos o griô e mais a pessoa que escuta. Eu acho que eu escutei tantas histórias morando ali no Caixa D’água, morando no terreiro e tudo mais, que o que eu consigo fazer é reproduzir o meu silêncio ao escutar essas histórias e reproduzir todas as imagens que ficam aqui na minha cabeça enquanto a pessoa fala. É como se o griô falasse pra mim e a voz dele virasse uma voz em off dentro da minha cabeça. Eu reproduzo o sentido do que o griô tá falando e não o que o griô tá falando.
L: Você escreve roteiro dos seus filmes?
E: Todos, todos. Eu desenho, faço storyboards, faço um roteiro, faço um argumento, faço um roteiro técnico, faço um roteiro linear, como o de uma ficção, eu faço vários tipos de roteiros, faço um gráfico de simbologias. Eu piro o cabeção. Agora meus roteiros são muito de imagens, mais do que de palavras. Eu gosto do silêncio, acho que a gente precisa de silêncio no mundo, a gente precisa escutar, a gente vive num mundo muito dialético, muito impositivo, da palavra, da voz, que é muito forte. E a gente conseguiu resistir através do silêncio, nossas mulheres principalmente, e os homens também. Conseguimos resistir através da fala, quando alguns falaram e foram mortos, quando alguns conseguiram chegar no espaço em que puderam falar, mas também resistimos muito através do silêncio. Quantas mulheres não morreram e não viveram toda uma vida de silêncio? De choro, falando pra dentro? Quantas vezes a gente não teve que tramar através dos olhos uma fuga? Quantas vezes no silêncio a gente não tramou rotas de fuga através do cabelo? Quantos de nós não nos comunicamos pelo olhar? Um negro e outro negro se comunicam pelo olhar quando gostam de alguma coisa ou quando não gostam. A gente tem essa sensualidade, essa coisa do gesto, a gente é muito expressivo. Tudo isso pode ser acentuado se você diminuir a fala, diminuir o discurso.
A gente vive num mundo muito discursivo e acho que isso mata muito as imagens. No terreiro a gente aprende a escutar e a calar. Então, meus filmes são a reprodução desse silêncio. Uma expressão vale muito, quando uma pessoa tá triste você pode perguntar a ela por que ela tá triste, mas o corpo dela diz que ela tá triste, diz que ela tá feliz. E a gente quando tá feliz a gente dança, a gente não fala que tá feliz. Como meu cinema é muito performático também, tem um viés performático, talvez seja um dos motivos. Mas é um cinema no qual toda questão dialética e do discurso estão na minha pesquisa, estão em mim, mas no momento de evacuar isso eu tenho muito mais critério para não impor minhas ideias. Eu tenho ponto de vista, mas eu não imponho ideias. Eu não gosto da minha voz também. E eu não tenho certeza de nada, também. Então eu tô fazendo o filme no fluxo né, da vida, então é um fluxo de observar.
L: Você pensa essa performance a partir do corpo?
E: Do corpo, do corpo somente. Do meu corpo e do corpo do outro. Eu intitulo meus filmes como um Cinema-Espelho, eu me vejo nos meus filmes. Não faço filmes nos quais eu não me veja. São filmes que falam de mim para os outros e que também falam dos outros, que é a mesma coisa que falar de mim. Então são filmes nos quais eu tô confortável ali, porque eu tô me vendo, é o meu próprio reflexo. Eu nunca vou fazer um filme de pessoas que eu não admiro, porque eu não tenho essa capacidade de falar mal de alguém. Então só faço filme de gente que eu me apaixono. Depois que eu me apaixono pelo o que ela é e vejo que ela tem uma potência subjetiva em si, vejo que ela tem uma persona, eu tento cativar ela pelo olhar mesmo, e pelo olhar ter esse brilho, ser esse espelho, são sinais que chegam.
No momento de filmar eu sou a cineasta, eu separo. E não é que eu deixo de ser a Everlane, ou passo a ser uma pessoa ruim ou hierárquica, não. No momento de filmar, eu estou para filmar. E convenço meus personagens a estarem também para o filme, porque o filme a partir de agora também é deles, não é só meu, é responsabilidade deles também. O filme é nosso. O momento da gravação é uma coisa tão séria e tão visceral pra mim que as pessoas entendem. Neste momento, tenho meus pudores, mas não tenho pudor para que o filme funcione. Existe um profissionalismo incluso, as pessoas são muito profissionais. Elas podem ser profissionais do cinema também, qualquer pessoa pode fazer um filme, ser ator, ser diretor, basta estar comprometido com aquela atividade. Eu mantenho o contato esporádico com as pessoas que gravo. Eu não estou para modificar a vida delas, nem pra trazer o dinheiro que elas não têm, não tô pra trazer nada disso. Eu encontrei elas daquela maneira e deixarei elas daquela maneira, o que eu puder ajudar com a minha mínima possibilidade, eu ajudo. E acho que já estou ajudando quando tiro elas da rotina, quando eu trago pra elas algo novo, quando eu dialogo com elas e faço elas se verem nas suas telas. De alguma maneira trouxe alguma coisa na vida delas, que durou aquele momento e não durará mais, porque eu sigo avançando pra encontrar com outras pessoas…
L: E elas também, né?
E: E elas também. Então, a relação do dinheiro, eu dou sempre o dinheiro depois, mas eu dou um dinheiro. Geralmente porque a pessoa passou quatro dias comigo, deixou de trabalhar, de fazer sua atividade. Ou então eu compro a mercadoria dela ou eu faço todo mundo da equipe comprar também. Ou eu posso dar em roupa, posso dar em material, mas eu sempre tento pagar meus personagens. Ou às vezes não, porque eles não querem. É uma questão de ética de sempre manter a relação de proximidade e distância necessária. É uma paixão, mas é uma paixão somente por uma pessoa boa, é uma paixão pelo personagem, pela possibilidade que aquela pessoa tem pra determinada coisa, pra esse material.
Mas tem que medir essa questão da paixão, porque você pode cair numa paixão louca por uma pessoa e você não conseguir extrair dali nada e o personagem dominar, o personagem te dominar, dominar o filme. Você tem que ser muito forte, porque o filme é seu, a motivação é sua. Você que tem que saber o que tem que ser feito, a pessoa não tem compromisso nenhum com isso, né? Ela tava vivendo a vida dela e de repente você chegou. Se você chegou pra modificar a vida delas, modifique, faça a “pincha”, faça seu filme e depois vá embora. Eu tenho isso muito claro, não fico com esse sentimento do “Ah, meu Deus, e agora? Eu fiz um filme e meu filme não vai ajudar em nada a Monga [personagem de Monga, retrato de café] ser uma mulher e conseguir sair dessa condição”. Claro que não, e eu não tô numa posição tão boa também. Ou seja, Monga é linda e maravilhosa, é resistência e continua sendo resistência. Eu a encontrei assim, eu a registrei assim e espero que Monga vá até onde ela possa ir nos esforços dela e na caminhada dela. Porque não tenho essa visão meio paternalista de “Ah, quero modificar o mundo e…”. Não, eu quero modificar as pessoas, deixar uma sementezinha plantada em cada pessoa, depois eu exibo o filme, cada pessoa sai com uma sementezinha plantada e multiplica. É trabalho de formiguinha. Mas nada de representar o mundo, representar todo mundo, modificar, nada disso. Eu não tenho essa pretensão toda. Tenho a vontade de transformar o mundo, mais todo cuidado pra não me frustrar, pois pode ser que eu não consiga… mas creio que já estou conseguindo, pois cada filme é uma semente de reflexão, espiritual e política.
L: Por que o documentário?
E: Pra mim o documentário é A plataforma, eu gosto de assistir documentários, porque eu aprendo, eu vivo também com os personagens, com aquela realidade. Eu acho que o documentário é uma plataforma extremamente livre, de formato, o documentário pode ser o que ele quiser, não deve nada, não deve explicação. Eu gosto da metodologia dos documentários — que é diferente da ficção, que requer uma metodologia um pouco mais controlada. Eu tenho muitas questões em relação a trabalhar em filme de ficção, mas eu trabalho. O filme de ficção tem que ser muito bem feito, uma palavrinha de atuação falada mal, um objeto de arte feio, uma coisa feia na cenografia me tira do filme de ficção… Eu fico muito atrelada às artimanhas para fazer um filme, tem que tá muito bem feito, eu tenho que tá muito dentro da história para eu conseguir assistir um filme de ficção. A maioria dos filmes de ficção, alguma coisa me tira da narrativa, porque eu fico prestando atenção em algum erro. Diferente do documentário que não tem erro e não tem acerto. Por mais que você assista um documentário não tão bom, você sempre aprende algo. Acho o documentário muito mais completo, acho que ele garante muito mais todas essas logias dentro dele. Eu acho realmente o cinema de ficção um “porre”, mas um “porre bom”, também é muito lindo, muito maravilhoso.
L: Você acha que você gosta da investigação?
E: Da investigação, do contato com as pessoas, de usar “não atores”, de registrar o cotidiano, a vida social, como ela é mesmo, os erros, os acertos, os acasos, né?
L: Eu gosto muito de documentário e o que me fascina no documentário é a possibilidade de maquiar a realidade e, ainda assim, ser a realidade. Eu gosto de brincar que o documentário é tudo aquilo que você quiser fazer, é tudo que tiver jurisprudência… Se eu tô falando que é documentário, isso é documentário.
E: Eu gosto disso que me deixa fluída no documentário, que é você não sabe o que você vai filmar, e como isso vai passar, e talvez o que você planejou não vai dar. Adoro esses desafios constantes do documentário e às vezes você filma uma coisa, e que bom que você tava com a câmera ligada, se você não tivesse, você ia perder, porque só você viu aquilo e registrou aquilo. Não existe segundo take para algumas coisas. O documentário é desafiador porque ele é a própria vida, que segue, que passa em frações de segundo, o tempo todo e você é muito pequeno, o ser humano é muito pequeno. Eu adoro esse desafio de não poder fazer esses dois takes, de não ter que ensaiar para alguma coisa, de estar o tempo todo ali sendo sacudida. Eu gosto desses estímulos que o documentário me possibilita na vida mesmo. É isso, eu gosto de aventura, acho que o documentário é um lugar de aventura.
L: É, que você não tem o controle…
E: Total e absoluto não né, mas tem. Agora eu trago um pouco da ficção pro meu documentário também. Se bem que às vezes eu acho que não tem tanta diferença entre a ficção e o documentário. Acho que a diferença é a indústria, que deu esse estrelismo para os atores de Hollywood. Trouxeram esse glamour pra ficção e esse glamour que me atrapalha, mas acho que não é muito diferente não, acho que se controla aqui, se controla ali.
L: La Santa Cena, por exemplo, você pode ver ele e achar que é uma ficção tranquilamente.
E: Com certeza, com certeza. Eu até já assumo que pode ser uma ficção.
L: O Aurora também.
E: Eu já assumo, não tenho problema nenhum com isso. Mas eu parto de motivações muito documentais. Na verdade, é a documentação da interpretação e fabulação das pessoas “normais” diante de uma câmera. Não deixa de ser um documento, documentar algo diante da câmera. Tudo é documentário, algo esteve diante da câmera, isto é um documento, um fato real, não é? Por exemplo, a Monga é a Monga, mesmo Monga tendo seu personagem, sua persona. Quando eu cheguei lá, ela colocou essa peruca e ela tem o personagenzinho dela da madame. Eu vou dizer que Monga não é Monga? Cheguei e Monga já não estava querendo ser Monga, já estava fabulando a si mesma, não é que isso não vai ser documentário, eu tô documentando uma pessoa que está fabulando a si mesma, né? Um ser que naquele momento era aquilo, tava querendo ser aquilo. É documentário, nós também todo o tempo queremos ser alguma coisa ou vestimos personagens. Em casa somos alguma coisa com a mãe, com os amigos a gente é outra coisa. No trabalho a gente é outra coisa, na hora de filmar a gente é cineasta, quando termina de filmar a gente é outra coisa. Qual é o problema? Quer dizer, só é ficção o que tá na frente da câmera? E o que tá por trás também que também é uma ficção? Ou seja, também é uma discussão. E por que a gente se limita tanto? Por que se limitar? Eu não consigo entender por que as pessoas se limitam. No meu caso, o filme tá livre pra que as pessoas nomeiem ele da maneira que quiserem. Não tenho problema nenhum, não vou entrar em crise.
Mas enquanto autora, enquanto criadora do método, eu digo: “Eu faço documentários”. E quando eu digo que faço documentários, eu digo que eu faço filmes, quando eu digo que eu faço filmes eu tô levando em consideração todos esses elementos aí dos outros gêneros. Quando eu digo que eu faço documentários, é porque dentro de mim existe uma documentarista nata! Agora, também existe uma artista que vem das artes plásticas e traz essa manufatura mais ficcional, traz essa plasticidade mais ficcional. Eu sou uma documentarista nata porque eu sou uma pessoa da cultura, eu sou a pessoa da rua, eu sou uma pessoa da análise sociológica, mas ao mesmo tempo eu gosto muito de psicologia, de filosofia, de fabular coisas, de teorias. Acho que essa mescla de coisas que faz meu cinema ser híbrido.
L: Para fechar, quais são suas referências cinematográficas?
E: Eu gosto muito de Sara Gómez, uma cubana, que pra mim parece uma mulher extremamente revolucionária, maravilhosa, de uma sensibilidade que não existe, eu sou fã da Sara Gómez, embora tenha uma filmografia muito pequena, porque ela morreu muito jovem. Eu adoro o Spike Lee, tenho muitas críticas ao cinema dele também. Essa posição de homem e tudo mais, tenho muitos problemas com o Spike Lee, mas acho ele de uma linguagem extremamente original, esse cara é um gênio. Eu gosto muito do Zózimo, principalmente por Alma no Olho. Não tem uma filmografia muito assim “Ohhhh” e tal. Mas por sua atitude, por ele ter sido o ator que ele foi, por ele ser um defensor do Cinema Negro como ele foi, uma figura muito representativa pra gente. Eu gosto de Yves [Yves Saint Laurent], que é esse documentarista que é bem minha cara, eu gosto muito dele. Ele fez filmes de sinfonia, sinfonia da cidade, muito musicais, são documentários muito elevados à poesia e tal. Yves eu acho maravilhoso.
Eu gosto muito de várias mulheres negras contemporâneas, como a Viviane Ferreira, a Larissa Fulana de Tal, Joyce Prado, Renata Martins, Taís Amordivino, Safira Moreira, Juh Almeida, várias. Acho que fazem cinema muito potente, muito centrado, ao mesmo tempo de conteúdo e de forma muito bem equilibrada. Tamém tem os cineastas negros David Aynan, Vinícius Silva, Gabito (Gabriel Martins), André Novais, Diego Paulino. São cinemas diferentes, mas cada um com seus erros, acertos, suas obsessões, enfim, suas existências e subjetividades.
Eu gosto muito do Vertov, do surgimento do cinema, embora seja muito branco também, mas eu gosto de assistir esses primeiros experimentos do cinema, diretores que estavam muito em nível de conceito e tal. Ou seja, aquela coisa, eu consigo aproveitar qualquer linguagem dessa e trazer pra negritude, esse é o meu diferencial. Eu não tenho essa crise não. Porque foi feito por branco, eu consigo separar o joio do trigo, consigo tirar o que do branco nos serve e aproveitar… Gosto muito da Varda… são mulheres brancas também, mas bom, são mulheres sensíveis, né? Tem Jordan Peele aí que tá me impressionando com seu cinema.
L: Bom, acho que chegamos ao fim. Você quer acrescentar alguma coisa?
E: Acho que meus filmes refletem um pouco de como minha cabeça funciona. Minha cabeça funciona a mil, meus olhos funcionam a mil, é muito latente essa coisa do fazer artístico, da ancestralidade na minha família. São muitos estímulos à arte desde pequena. Eu não sei fazer outra coisa na vida, eu me sinto muito confortável dentro do cinema, fazendo o que eu faço. Às vezes eu tento até fugir um pouco dele porque eu me pergunto: “Será que não tá muito conceitual, Everlane?”, “Será que você também não consegue se despir de algumas coisas e experimentar outras?”. Mas eu gosto dele, então, eu vou continuar fazendo esses filmes que eu chamo de experimentos estéticos. Eu adoro colocar a gente nesse lugar, eu adoro quando tem pessoas que, historicamente, socialmente, ou que no nosso imaginário coletivo são pessoas que são incapazes de estarem nesse lugar. E de repente eu pego elas e coloco no lugar de conceito, de filosofia, de logia, extremamente complexo e sofisticado.
Eu adoro quando coloco essas mulheres num lugar tão sofisticado. Pra mim isso é um tapa, é um murro na cara do branco, porque eu sei que eu tô falando com o branco, eu sei o que eu tô atingindo dele, eu sei a raiva que ele tá de mim, eu sei que eu sou um mistério pra ele. Primeiro que minha estética, minha idade e de onde eu vim, seria impossível fazer um cinema tão conceitual como esse, tão engajado e tão firme, né? Que consegue falar com ele de maneira horizontal ou até acima, em uma posição que ele não está acostumado. Eu sei onde meus filmes são bons, em relação aos filmes brancos, eu sei onde eles nunca vão conseguir fazer igual, né? Então, eu gosto muito desse lugar, que pega o nosso que é tão simples, cotidiano e tão estigmatizado dentro de um lugar considerado pequeno e trazer ele pra um lugar extremamente conceitual, de nível altíssimo de filosofia, de logia. Sei onde eu atinjo o branco com isso, onde o branco fica com muita raiva, onde o branco consegue a partir daí compreender como a sua antropologia é uma antropologia de merda, sabe? O quanto a sua antropologia reflete o seu caráter, e a sua malvadeza, sabe?
Então, quando eu faço esses filmes eu estabeleço uma “nova” antropologia visual contemporânea. Eu sei que nenhum antropólogo conseguiu representar o negro dessa maneira, dando esse cárater de sujeito, como eu tô dando. É uma maneira de contribuir, dialogar diretamente com essa crítica que eu faço às imagens do negro na contemporaneidade. De dialogar com o Fanon, com a literatura das mulheres negras, com Racionais, com Virginia Rodriguez, Zezé Motta, Léa Garcia, Beatriz Nascimento, Nina Simone, Milton Nascimento, Arthur Bispo do Rosário, Belkis Ayón, Bob Marley, meu pai, meus ancestrais. São muitas possibilidades, em todos os meios, linguagens, logias possíveis onde nós negros somos plenos. É aí que eu bebo.
L: É de dentro, né?
E: É tudo isso. Me modifica. Botar um pouquinho de cada coisa nos filmes, pra ver nossa beleza. Me faz achar que realmente estou fazendo a coisa certa. Ainda bem que eu não sou aquele tipo de negro que não tá ligado nisso, ou seja, que bom que desde muito cedo eu consegui ter a possibilidade de estar nesse lugar hoje, sabe?
L: Acho que isso tem muito a ver com a maturidade do seu trabalho.
E: Às vezes eu penso como deve ser triste ser um negro sem contexto, sabe? Eu sou tão brasileira e tão negra que meu cinema não poderia ser diferente. E de maneira autoral, eu faço o cinema que eu gosto de assistir. Eu gosto de saber que pessoas que não assistem esse tipo de formato assistiram meus filmes, eu gosto de estabelecer esse “novo” tempo no cinema, esse “novo” silêncio, esses corpos bem fotografados, essa plasticidade gigante. A gente tá acostumado a ver negros ou certas condições sociais filmadas de maneira que essas imagens não fiquem bonitas porque a gente precisa da coisa feia pra sustentar certo discurso. Por que quando a gente filma a pessoa na feira a gente tem que filmar com a camerazinha meio tremida, não pode ser uma câmera melhor, tem que ser com uma câmera mais simples? Parece que tem que tá cru e feio. Então, essas coisas me atrapalham muito, porque eu acho que dá pra filmar com uma RED [câmera de cinema profissional] um feirante, sabe? Acho que a beleza é fundamental e me incomoda muito esse lugar da filmagem precária ou da imagem precária. Mesmo na precariedade a gente também é bonita, pode ser bonita, pode ser melhor valorizada, sabe? Na verdade, acho que não é nem uma questão do dispositivo, é uma questão de olhar, de respeito, de responsabilidade, de ponto de vista. A beleza está dentro das coisas, dentro de nós, que olhamos. Penso assim, são coisas que podem se modificar ao longo do tempo, com minha carreira. Mas é isso, não tenho nenhum tipo de pudor de juntar as artes plásticas com o cinema e pintar, e pintar no cinema. Eu sou uma artista plástica e cineasta ao mesmo tempo.
*
Não apenas irei encarar. Eu quero que meu olhar transforme a realidade
bell hooks em The oppositional gaze (disponível em português aqui)
De volta a minha infância uma lembrança surge repetidamente: passar dias inteiros assistindo televisão. Sou da geração dos nascidos no início dos anos 1990 antes da popularização dos meios digitais, do advento da Internet banda larga e da possibilidade de se comunicar por redes sociais. E para uma pessoa que cresceu na periferia da cidade de São Paulo, onde os aparatos de lazer públicos sempre foram muito escassos, o medo e a insegurança fizeram com que meus pais tentassem proteger ao máximo a mim e ao meu irmão, logo ficar em casa assistindo TV sempre foi considerada uma atividade segura. Eu cresci assistindo de tudo, sobretudo aos programas da televisão aberta, já que os canais a cabo só chegaram em casa lá no ano de 2005. Era realmente fascinada por aquele tubo transmissor de sons e imagens, me encantava a representação da vida, as emoções que eram capazes de causar e minha rotina era pensada de acordo com a grade televisiva: acordava, tomava café já assistindo desenhos na TV Globinho ou no Bom Dia & Cia, almoçava vendo SPTV, ia para escola e quando voltava conseguia pegar o final de Malhação, emendando as três novelas da noite da Globo e algum reality show ou programa de entretenimento, sendo interrompida apenas para jantar e tomar banho.
A televisão acabava ocupando um espaço central na minha vida, que se materializava na configuração do lar. Ela estava ali, no centro da estante na sala, entre o rádio e as caixas de som de frente para o sofá e sua voz preenchia todos os cômodos do apartamento de 48m² da Cohab I em Artur Alvim. Assistí-la era também um ritual, momento de junção da família, lembro de alguns sábados à noite onde meus tios, tias, primos e primas se reuniam para conversar, comer esfihas e sentar frente à TV, não importava na casa de quem estivéssemos, ela estava sempre ligada, no centro da sala, quase como se conversasse conosco. Adorávamos comentar as novelas, mesmo que presas numa estrutura previsível onde o “bem” normalmente vence o “mal”, elas eram carregadas de emoções e de um certo sentimento de pertencimento bastante dialético. Apesar de serem ambientadas no Brasil, tratar de temas do cotidiano e dirigir-se a “todos” os brasileiros eu não conseguia me ver ali, não completamente.
Eu tenho uma tia, irmã do meu pai, que adorava o Xou da Xuxa e que sempre diz que durante a adolescência tinha vontade de ser paquita, mas como todas as paquitas eram brancas, loiras e com o cabelo liso, ela nunca poderia ser uma. Meu avô paterno era negro e minha avó paterna, apesar da pele clara, tem a boca e o nariz bem largos e o cabelo crespo, assim meus tios, incluindo meu pai, nasceram com tons de pele distintos, mas todos com traços negroides muito marcados. Sou filha de um casamento inter-racial: tenho a pele clara, cabelos carinhosamente apelidado por meu pai por “cabelo de prego” e traços negroides mais brandos. A racialização sempre esteve presente na minha vida, lembro de ser chamada de Medusa na escola, de alisar meu cabelo e de ser preterida pelos meninos porque não estava dentro do padrão branco de beleza e ouvir na escola que tinha “um pé na Senzala”, mas mesmo assim demorei alguns anos para construir minha identidade racial. E a televisão sempre esteve ali, como mediadora desse processo, fazendo-me refletir sobre quem eu era e sobre minha realidade a partir da ausência e da estereotipização.
Quando minha tia dizia que não podia ser paquita porque não era loira eu me perguntava, “Mas por que todas as paquitas da Xuxa são loiras?”, “Por que todas as apresentadoras são brancas?”, “Por que quase não existem personagens negros nas novelas se eu vejo tantas pessoas negras ao meu redor?”, “E por que os personagens negros nas novelas são sempre as empregadas domésticas, os seguranças, motoristas, serventes ou bandidos?”, “Por que a Cohab só aparece no Datena?”, “Onde estão as pessoas parecidas comigo? Onde está a minha realidade dentro desses programas que se dizem nacionais?”.
Para não ser injusta, lembro de duas personagens de programas infantis onde via meninas negras com as quais me identificava: a Biba, no Castelo Rá-tim- bum, programa da TV Cultura e a Pata, na novela Chiquititas, da primeira versão exibida pelo SBT. Eu assistia a muitos programas televisivos e, claro, que não podemos confiar apenas na memória para exercer uma análise mais profunda sobre determinado objeto, mas como posso lembrar apenas de duas personagens infantis negras? Ou melhor, como posso ter crescido com tão poucas narrativas sobre infâncias negras quando metade da população brasileira é negra?
Refletindo sobre essas questões chego a outro ponto em comum entre as personagens Biba e Pata: nenhuma delas eram mostradas em momentos com suas famílias, amigos negros ou frequentando espaços onde a maioria das pessoas eram negras. A escolha em Chiquititas é justificada pelo motor da narrativa, tratavam-se de crianças em orfanato, porém esse tipo de representação dos personagens negros sem nenhuma ligação com qualquer outra pessoa negra é comum em muitas narrativas seriadas brasileiras. As novelas de Manoel Carlos sempre me chamaram muita atenção quando parava para reparar nas personagens mulheres negras e seus lugares na narrativa. Suas novelas têm como marca a presença de uma personagem principal forte, a Helena, e é em volta dela que a história se desenvolve. História de Amor (1995), Laços de Família (2000), Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006), entre outras, sempre tiveram como núcleo principal famílias ricas do Rio de Janeiro. Tais tramas costumam girar em torno dos desejos, anseios e desafios de uma elite econômica majoritariamente branca, o que Joel Zito Araújo no livro A Negação do Brasil chama de “visão zona sul das telenovelas”. Em todas essas novelas é possível encontrar personagens negras mulheres na posição de empregadas domésticas que não possuem família ou relacionamentos com outras pessoas negras, ocupando a função de servir e estar à disposição das famílias abastadas.
Em 2009 nós espectadoras(es) fomos apresentadas(os) a primeira Helena negra de Manoel Carlos. Taís Araújo, que já havia inaugurado o marco de primeira protagonista negra com a telenovela Da cor do pecado (sim, deram o nome da novela a associação da pele negra ao pecado), viveu Helena na novela Viver a Vida (2009), uma modelo que enriqueceu com seu trabalho e que se apaixona por Marcos (José Mayer), um homem branco vinte anos mais velho. Ele a princípio era casado com Teresa (Lilia Cabral) e pai de três filhas, mas ao se separar da esposa conhece Helena e casa-se novamente. Este ensaio não pretende se aprofundar no desenvolvimento narrativo da trama, porém uma cena onde a personagem Helena leva um tapa no rosto de Teresa, enquanto está de joelhos desculpando-se por algo que não fez chamou muito atenção. O episódio foi ao ar no dia da consciência negra (20 de novembro) e muitos consideraram que a imagem apenas reforçou o estereótipo de submissão e desumanização das mulheres negras. Recentemente Taís Araújo deu uma entrevista dizendo que após essa novela afundou-se numa tristeza profunda e que a não possibilidade de transformar sua personagem numa mulher realmente forte a fez encarar que tipo de personagem queria ser e que tipo de papéis não queria mais representar.
A ausência e o uso excessivo de estereótipos sobre mulheres negras nas telenovelas televisão estão diretamente ligados a algumas características do gênero. O melodrama televisivo tem como influência os folhetins de jornal, as radionovelas e o melodrama cinematográfico. Tais filmes carregam em si um ideal burguês de sucesso e felicidade, que geralmente estão associados a ascensão social econômica. Possuem valores morais e sociais muito marcados, baseados no cristianismo, na heteronormatividade, no falocentrismo e na brancura como forma de beleza. É comum também ao melodrama os ditos personagens “planos”, ou seja, ou são extremamente bons, ou completamente maus, gananciosos, torpes, burros ou ingênuos. Dessa forma suas ações são regidas por apenas uma de suas características psicológicas tornando a narrativa bastante previsível. Dentro dessa estrutura enrijecida o uso de estereótipos se dá com muita frequência e são poucas as personagens, sobretudo as mulheres negras, cujas personalidades são regadas de contradições e humanização.
Na teledramaturgia brasileira tem sido dado às mulheres negras poucos espaços, apesar de fazermos parte de uma parcela significativa da população brasileira, quando não estamos ausentes nesses programas, ocupamos o papel da empregada doméstica, da mulher sensual (a “mulata”), da mulher ligada ao tráfico de drogas, da escrava ou da cuidadora. Só recentemente, em alguns programas seriados de TV aberta, mulheres negras foram representadas como pessoas fortes, com ambição, dotadas de conhecimento e agência de suas ações, como o caso de Isabel (Camila Pitanga) na novela Lado a Lado (2012) e mais recentemente Michele (Taís Araújo) em Mister Brau (2015). Entretanto, é importante olharmos mais profundamente para a ausência e estereotipização das mulheres negras na trajetória da teledramaturgia brasileira, a fim de elaborar algumas teorias sobre a representação negra e criação de imaginário.
É comum na configuração dos lares brasileiros que a televisão ocupe um lugar central na vida das pessoas, assumindo muitas vezes o papel educativo se pensarmos um contexto de baixa qualidade de ensino público, escassez de espaços de lazer e dificuldade de acesso à bibliotecas, teatros e cinemas. Ela enuncia comportamentos, valores, aponta o que é pauta de discussão ou não, promove alguns julgamentos, formula padrões e cria um universo simbólico estético que diz o que está dentro e o que está fora. Imagens estereotipadas, sejam elas extremamente positivas ou extremamente negativas, cumprem a função de controlar e desumanizar determinados corpos, num processo contemporâneo de colonização e imposição de valores eurocêntricos, no caso da representação das mulheres negras na TV, são imagens extremamente definidas a partir do olhar de um sujeito sob o objeto, o “outro” da narrativa e configuram uma forma de violência não material ou física, mas simbólica.
Crescer assistindo televisão me fez perceber que ora estávamos ausentes das histórias, ora éramos tidas como inferiores. E me interessa refletir acerca dessa experiência espectatorial, pois olhar para essas imagens me fez ter consciência de quem sou a partir do olhar de um sujeito narrativo quase imperceptível.
“Essas imagens criam o que se chama de um estado de despersonalização ou de alienação. Isto é, elas forçam o sujeito negro a desenvolver uma relação consigo próprio através do sujeito branco. E também forçam o sujeito negro a olhar para si próprio através da perspectiva do outro. Enquanto eu caminho na rua e olho para estas imagens, eu sou não só confrontada com o ato de alienação, pois eu vejo aquilo que eu não sou, eu vejo-me a mim ou a minha identidade ser representada de uma forma que eu não sou. Mas, sou forçada a olhar para mim através da perspectiva dominante do sujeito branco. E isto é muito problemático, isto é a base da alienação, trauma e decepção”.
Esse fala da artista portuguesa Grada Kilomba, que tenciona as questões identitárias e de representação em seus trabalhos, carrega o conceito de dupla-consciência, desenvolvido pelo sociólogo, historiador e ativista W. E. B. Du Bois. No livro As almas da Gente Negra publicado em 1903, Du Bois trata da experiência da pessoa negra americana na tomada de consciência de sua identidade a partir da rejeição do próprio ser, partindo da metáfora de que o negro seria como o sétimo filho, nascido com um véu e dotado de uma clarividência, num mundo que não o permite produzir uma verdadeira autoconsciência, mas sim entender-se a partir da revelação do outro, carregando dois ideais conflitantes: a experiência de ser um negro americano em um país que rejeita as pessoas negras.
Dessa forma, ser negro é tornar-se, é compreender-se a si mesmo a partir da métrica de um mundo que o contempla com prazer e desprezo. A valorização de uma cultura e de uma estética onde alguns sujeitos são mais pertencentes do que outros pode gerar um sentimento de não-pertencimento, de não-lugar, onde aquele que é preterido acaba por ter como referência a adoração de simbologias que o excluem. Recentemente tive uma conversa com minha prima, outra mulher negra, onde pude perceber mais concretamente essa dinâmica. Tanto eu quanto ela compartilharmos um processo de não aceitação durante a adolescência: não conseguimos nos olhar no espelho. Encarar nossa imagem era algo complicado e confuso, pois éramos permeadas de imagens negativas sobre mulheres negras, onde o padrão brasileiro de beleza é magro, loiro, cisgênero, branco e de preferência com cabelo liso, logo olhar-se no espelho e encontrar pontos que gostássemos era doído e o mais fácil era não se encarar.
A construção das identidades e o reconhecimento num contexto de diáspora contemporânea é um processo ambivalente, onde existe um entrelaçamento entre as fronteiras particulares negras. Entendo aqui diáspora sobre o prisma subjetivo, simbólico, uma metáfora para um tipo de consciência, modo de produção cultural, experiência intelectual e construção identitária. Um deslocamento contemporâneo, que é estético, político e cultural e que acontece no “entre lugar”, espaços de fronteiras culturais, intervalo entre as individualidades independentes onde podemos ver a iluminação e discussão dos problemas das diferenças, ou melhor, a “sobra” desses lugares onde surge a diversidade não contemplada pelas categorias hegemônicas.
Nesse novo contexto a discriminação racista e colonial das “metrópoles” tomam corpo na passagem de ideais e valores por meio de signos. Logo, re-trabalhar formas de subjetivação e positivação, a partir da quebra de estereótipos, por exemplo, deve culminar no desenvolvimento das potencialidades da vida social, participativa, solidária e cooperativa tendo a estética afro-diaspórica como uma ferramenta política, presente nas diferentes esferas de poder, que leve em consideração uma inserção ambivalente na modernidade.
No ensaio The oppositional gaze (1992), bell hooks parte da metáfora do olhar de enfrentamento do escravizado sob seu senhor para tratar do desenvolvimento de uma determinada agência, que surge a partir da habilidade de manipular o enfrentamento em face das estruturas de poder. Entendendo o poder como um sistema de dominação que pretende o controle, é a partir das margens que surge a brecha para a insurgência da agência. A televisão como um meio de comunicação em massa para as massas funciona como um sistema de conhecimento e poder que reproduz e pretende manter a supremacia branca e encarar essas imagens é encarar a negação da representação negra. O espectador, frente às imagens, compreende suas camadas de significado a partir de sua experiência, dessa forma, marcadores de gênero, raça e classe podem influenciar a maneira como essa subjetividade é preenchida pelo espectador e levam a diferentes interpretações do mesmo material.
Entretanto, não pretendo afirmar que todas mulheres negras frente às imagens de mulheres negras nas telenovelas irão necessariamente desenvolver um olhar de enfrentamento e construir sua identidade pela racionalização do não reconhecimento de si nessas imagens. Não é uma consequência direta, mas sim uma insurgência que pode acontecer e que está mediada por alguns fatores externos como a família, a escola, o trabalho, suas relações pessoais, sociais e outros.
A conversa com minha prima sobre olhar-se no espelho surgiu a partir do momento que assisti ao filme Kbela (2015), da jovem cineasta carioca Yasmin Thayná, onde num momento de auto cuidado e afeto entre duas personagens elas conversam sobre a experiência de não conseguir olhar-se no espelho e encarar a si mesma. Em 2010, a cineasta paulista Juliana Vicente escreveu e dirigiu o filme Cores e Botas, que narra a desilusão de uma criança negra que sonhava em ser paquita, mas que por não ser loira, é preterida apesar de seu talento, como a história da minha tia. Trabalhos como os de Yasmin Thayná, Juliana Vicente, Renata Martins, Viviane Ferreira, Everlane Moraes, Adélia Sampaio, Lilian Solá Santiago, dentre outras, roteiristas, diretoras, fotógrafas, montadoras e técnicas de som, todas negras, que surgiram na última década me ajudaram a construir um ponto de vista questionador sob as narrativas hegemônicas. Além de estarem construindo uma produção cinematográfica de enfrentamento, onde o objeto da estrutura narrativa passou a ser o sujeito, o autor – no caso autora – de suas próprias experiências.
Crescer assistindo televisão me fez entender a mim mesma como uma pessoa que possui múltiplas identidades que me foram reveladas pela ausência de pessoas parecidas comigo nas narrativas ditas “nacionais” e pela rejeição das imagens estereotipadas, entendendo a mim e a minha realidade sob a ótica do outro. Por mais que as telenovelas estejam sempre em busca da inovação, regidas, até certo ponto, pelas vontades do público e que eventualmente cedam espaços para narrativas positivas sobre mulheres negras, quando analisamos o todo ainda há um caminho muito longo a ser percorrido, e considerando a estrutura de poder a qual a televisão está submetida, penso que talvez não seja realmente de interesse a construção de narrativas que busquem a emancipação das mulheres na perspectiva antirracista. Porém, há de se considerar as brechas, tanto na relação espectador-telenovela, quanto na absorção de profissionais negras pelas grandes emissoras, mas sobretudo no circuito independente, que abrem caminhos para a construção de novas representações das vidas negras.
Referências
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo, SP:
Editora SENAC, 2000. 323p;
hooks, bell. The oppositional gaze. IN: Reel to real: race, sex, and class at the movies. New
York; London: Routledge, c1996. 244 p.;
DU BOIS, William. As almas da gente negra. Co-autoria de Heloisa Toller Gomes. Rio de
Janeiro, RJ: Lacerda, 1999. 322 p.;
KILOMBA, Grada. Entrevista com Grada Kilomba, #1 Imagem e Alienação. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tzYljBG5H-c>. Acessado em 15 de
agosto de 2017.
Memória Globo. Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/>. Acessado em 15 de
agosto de 2017.
REIS, Marilise. A Diáspora e o Movimento Social das Mulheres Afrodescendentes das
Américas. Florianopólis, SC: XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais,
2011.16p.