Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras

AMOR AO CINEMA E RECONCILIAÇÃO FAMILIAR: O ÚLTIMO CINE DRIVE IN

O primeiro longa-metragem de Iberê Carvalho foi exibido em sua pré-estreia no próprio cine drive-in do título do filme, o que deve ter sido uma experiência metalinguística incrível. Perdi esse momento, mas assisti no Cine Brasília, outro patrimônio da capital. E é muito bom ver filmes da cidade ganhando espaço e reconhecimento nacionais.

O filme conta a história de Marlombrando, que volta de Anápolis para Brasília, para internar sua mãe doente. Sem ter onde ficar, acaba indo atrás do pai ausente, Almeida, dono do quase falido (e real) cinema drive-in da cidade. Almeida é um apaixonado por cinema, como o nome do filho e os muitos pôsteres de filmes na parede evidenciam. Porém, Marlombrando não tem muitos afetos por Almeida, inclusive o chama pelo nome em vez de “pai”. Fugindo do melodrama ao qual a narrativa parece se direcionar, os conflitos nunca ficam totalmente explícitos, nunca sabemos exatamente os fatos que aconteceram no passado dos dois, o que é uma decisão acertada. Ficamos sabendo apenas de alguns detalhes mostrados através dos diálogos.

A mãe doente, Fátima, está internada com um tumor no cérebro, e infelizmente não tem participação maior além de servir como mote para a ação do protagonista. As poucas cenas em que ela aparece são momentos entre ela e o filho, onde ela conta histórias nostálgicas sobre a infância dele. Sim, há vídeos de infância em sépia, que Almeida fica assistindo em seu projetor, há historias contadas pela mãe para adocicar o coração dos espectadores, há um certo esforço de trazer uma atmosfera afetiva e nostalgica, no estilo Cinema Paradiso, que aliás fica mais do que evidente pelo pôster do filme que aparece em close atrás dos personagens em algumas cenas. Aliás, talvez os pôsteres de Cinema Paradiso e de O Poderoso Chefão na parede de Almeida tenham ficado um pouco redundantes. Apesar de fazerem sentido dentro da estória, as referências a eles já estão mais do que claras no filme. Esses elementos mais clichês, porém, são balanceados pela montagem um tanto seca, que em certas horas agrega ao filme, mas outras horas nem tanto.

Quanto à estória, ela possui um potencial de dramalhão do qual o filme felizmente foge: reconciliação de pai e filho, doença terminal, ressureição do cine drive-in. Porém, talvez o filme tenha fugido tanto em busca de amenizar os clichês da narrativa, que algumas coisas tenham ficado secas demais. A história tem pano pra manga, mas, mesmo com a duração já sendo bem pequena – 98 minutos – o filme tem várias cenas em que nada acontece, como quando Marlombrando volta para Anápolis, só para retornar logo em seguida. Há muitas escolhas estranhas de montagem também, como alguns planos de Fátima moribunda no hospital, que não casam com as sequências anteriores nem seguintes, parecem planos jogados ali no meio sem saber direito a que vieram. Marlombrando também parece um personagem meio inócuo, que não evolui muito ao longo do filme, mesmo sua estória tendo um arco claro no roteiro. Não sei se isso se deve à atuação de Breno Nina ou a escolhas de direção, mas o protagonista permanece emburrado durante o filme inteiro, e brilha somente em alguns momentos pontuais, como na briga com o pai dentro do carro. Já Othon Bastos como Almeida, e Chico Santana como Zé (o bilheteiro do cine drive-in) estão excelentes, atuam com uma naturalidade incrível. Há grande potencial para o público empatizar com Almeida, sendo o cara excêntrico que é, em busca de reconciliação com o filho, e a atuação de Othon Bastos lhe confere muita humanidade. Porém, ele também termina o filme passando uma sensação de que poderia ter ido mais além, faz falta alguma cena em que possamos ver mais de suas emoções. Não que uma cena de reconciliação entre pai e filho fosse necessária, acho até que iria cair nos velhos clichês de sempre, mas algumas cenas a mais em que pudéssemos entrar mais fundo nos sentimentos de Almeida e Marlombrando seriam bem-vindas.

Uma personagem interessante do filme é Paula, interpretada por Fernanda Rocha. Ela é uma espécie de faz-tudo no drive-in, dando conta desde a projeção dos filmes até os lanches servidos, e tem uma personalidade forte, responde as pessoas na lata e não mede palavras. Porém, o tratamento dado a ela me incomodou várias vezes. Quando Marlombrando chega e não aceita dormir no quarto do pai, Almeida expulsa Paula de seu próprio quarto para dar lugar a ele. Ao longo do filme vemos repetidamente Almeida e Marlombrando destratarem Paula, como quando ela dá opinião sobre a situação que Marlombrando causou depois de chegar, e é recebida com um ríspido “da minha família cuido eu!” vindo de Almeida. Marlombrando desdenha de Paula várias vezes também, inclusive na cena ápice do desrespeito, quando encontra Paula numa rua, indo embora, e a impede de prosseguir. Ele a puxa pelo braço, grita com ela, e apela para o plano deles de reviver o cine drive-in, como se a vontade dela de ir embora não passasse de birra, e ainda por cima fosse alguma forma de traição por abandonar o plano. Paula finalmente cede e resolve voltar, e mais tarde é recebida por Almeida com um “você ia embora sem me dizer, sua pilantra?” de brincadeira, ao que ela responde “se me maltratarem vou embora”. Claro que isso é tratado como um momento engraçadinho pelo filme, pois acabamos de ver que Paula não vai embora coisa nenhuma, então a ameaça dela não é realmente levada a sério por ninguém, nem por eles nem pelo público. A intenção do filme é romantizar essas relações hostis “de família”, de destrato com viés cômico, que entretanto acontecem assimetricamente, tendo como Paula o saco de pancada do filme. Uma coisa legal é que ela está grávida, e isso é tratado com naturalidade, sem ninguém chamando atenção para isso todo o tempo, salvo uma hora em que Marlombrando pergunta a Zé se o filho dela é de Almeida (a coitada não é respeitada hora nenhuma e ainda acham que ela está dormindo com o velho!).

A cena final é legal – alguns spoilers a seguir! – onde sequestram a mãe do hospital para que ela possa ver a renovação do cine drive-in. Porém, também é montada de um jeito um tanto estranho. A trilha sonora indica que a cena deve ser engraçada, mas ela é extremamente longa, sem ritmo, e com pouca tensão. Já o momento em que eles chegam no drive-in e abrem a porta da ambulância para Fátima (melhor parte do filme), é rápido demais, e logo termina, encerrando o filme. É verdade que ao se demorar demais nesse final, a cena poderia ficar um tanto melosa. Mas isso é algo que vem da própria narrativa, e principalmente da trilha sonora, que não é lá muito boa.

No geral, O Último Cine Drive-in é um bom filme, com duas ótimas atuações, e com uma narrativa clichê, mas que acerta em muitos pontos por não cair no dramalhão. Só peço aos cineastas que comecem a pensar melhor no tratamento dado a suas personagens femininas, e como seus filmes se posicionam a respeito disso.