Analisar e ver filmes sempre foi muito prazeroso para mim. Antes de entrar na faculdade, eu já me reunia com as minhas amigas para assistirmos juntas a filmes e séries e conversar depois, discutir os temas, listar filmes favoritos de determinado gênero. Mas foi só durante o curso de cinema que a análise se tornou mais complexa. Após aprender sobre arcos narrativos, enquadramentos, decupagem, paleta de cores e o motivo por trás dessas escolhas, eu obtive ferramentas para analisar obras audiovisuais com mais propriedade.
Quando comecei a me interessar pelo feminismo, as coisas mudaram. De repente, era impossível assistir a qualquer coisa sem ver tudo por um viés de gênero, era impossível ignorar piadas racistas ou a pura e simples inexistência de personagens não-brancos, era impossível não perceber os estereótipos a que os personagens LGBT estavam relegados. Eu começava a me tornar a “feminista chata”, que fica de “mimimi”, que não aguenta uma piada. E, pra ser sincera, isso era cansativo até pra mim. Não é como se eu quisesse reclamar de tudo, é só que a partir do momento que ficamos conscientes, é impossível voltar para a ignorância.
“Parar de mimimi” deixa de ser uma opção.
Algum depois disso, eu li pela primeira vez o texto da Kady Morrison, intitulado “just shut up”. Morrison escreveu sobre a experiência dela na universidade e como ela se tornou uma feminista que consome e analisa mídia diariamente sem querer se jogar da janela. A resposta é surpreendentemente simples: possuir senso crítico e discernimento para não levar aquilo para o lado pessoal.
Recentemente, lembrei desse texto por conta de uma discussão em um grupo do Facebook sobre a série da Netflix Stranger Things. Tudo começou depois de um post que enumerava as falhas contidas na série, desde problemas estruturais e escrita até problemas de gênero. Não cabe aqui, falar sobre os méritos da argumentação ou se eu concordo ou discordo com ela (meu único comentário sobre o assunto vai ser: JUSTICE FOR BARB!). O que foi surpreendente, na verdade, foram as reações das outras pessoas do grupo, de incrédulas a hostis.
Eu vinha me empenhando nos últimos anos tanto em apurar o meu senso crítico e analisar a mídia que eu consumia – independentemente do meu gosto pessoal – que veio como uma surpresa a posição defensiva e cega dos fãs. Eu não deveria ter me espantado tanto. Acabei esquecendo que quando nós, consumidores de mídia, criamos laços de afeto com determinada obra – e Stranger Things é uma série particularmente boa nisso, apelando para o nosso senso de nostalgia e conforto trazido por personagens e situações já conhecidas pelo inconsciente coletivo – fica difícil separar entre nós e a obra e quando a obra é criticada nós nos sentimos pessoalmente atacados.
Deveria ser óbvio, mas vou falar de qualquer forma: isso não é verdade. Nós não somos a série que gostamos e a série que gostamos nunca vai ser perfeita e isso não é um problema. Séries são feitas por seres humanos e seres humanos são falhos. Reconhecer e refletir sobre os problemas apresentados seja no cinema ou na televisão é fundamental porque nós estamos o tempo todo sendo bombardeados por imagens falhas feitas por seres humanos falhos. Nos recusarmos a ver isso só vai nos ajudar a internalizar essas falhas que podem às vezes ser apenas problemas técnicos – diálogos pouco convincentes, uma construção mal feita de um personagem – mas que outras vezes podem ser coisas bem piores. Coisas que podem perpetuar cultura do estupro, racismo estrutural e homofobia internalizada, por exemplo.
Foi por isso que decidi traduzir o texto que tanto me ajudou quando a análise cinematográfica parecia ser um processo tão doloroso.
No meu primeiro semestre na faculdade, eu peguei uma matéria de Introdução aos Estudos das Mulheres (N/T: “Intro to Women’s Studies”, no original). A turma se encontrava durante cinco horas por semana, uma aula de duas horas e outra de três, e os alunos eram o que eu descobri ser uma turma típica em qualquer aula de Estudos das Mulheres sem pré-requisitos em uma escola de tamanho médio no sul de Ohio.
Havia algumas garotas que se tornariam, ou já eram parte, de grupos feministas do campus; havia algumas garotas que se mostrariam contra o feminismo tanto em teoria como em prática, uma das quais eu me lembro claramente por ter feito uma apresentação sobre os méritos da “Sra. Diploma”, enquanto o olho da minha professora tremia em horror mudo; havia um punhado de garotas e pelo menos um cara que eu viria a conhecer depois através de grupos LGBT da faculdade; e havia, é claro, os três a seis babacas, que admitiram só estar lá para “conhecer minas”, dos quais um ou dois largariam a matéria depois da primeira prova.
Aos dezoito anos, eu era feminista em nome, mas não em prática – eu acreditava na ideia por trás do feminismo (que é, pra deixar registrado, que as pessoas deveriam ter igualdade de direitos independente de gênero, não que nós deveríamos ESMAGAR TODOS OS HOMENS DEBAIXO DOS SALTOS DOS NOSSOS DOC MARTENS GLÓRIA ALELUIA), mas eu não sabia nada, de fato, sobre ele. Eu não era capaz de identificar as ondas do feminismo. Interseccionalidade e como o movimento era horrível nesse quesito não eram coisas de que eu estava ciente. Eu nunca tinha lido nada da bell hooks. Por sorte, você não precisa saber sobre as ondas do feminismo, nem saber o que é interseccionalidade, nem ter lido bell hooks pra ler este texto! (Mas você deveria ler bell hooks. Todos deveriam ler bell hooks. bell hooks é INCRÍVEL PRA CARALHO)
As primeiras semanas dessa aula foram o esperado. A professora era divertida e envolvente, mas ela não estava exatamente nos fazendo arregalar os nossos olhos impressionáveis de calouros. Havia fichas. Havia seleções de livros para leitura. Houve uma aula muito triste sobre violência doméstica, abuso e estupro que era a típica recitação de termos e estatísticas assustadoras que fizeram todos estremecer, mas que ninguém internalizou.
Os babacas riam no fundo da sala, agrupados como se eles fossem ser infectados por germes se eles se espalhassem, de vez em quando soltavam comentários úteis como, “Cara, a mulher na contracapa desse livro é muito gostosa”, e eram rejeitados por cada uma das garotas da turma, nas quais eles estavam dando em cima no que eu acredito ser uma ordem decrescente de “beleza”. A galera LGBT, inclusive eu, se amontoava no outro canto fazendo comentários cortantes. As feministas ativas olhavam com desprezo para os babacas, e a galera da Sra. Diploma mandava mensagens de texto por debaixo das carteiras e deixavam bem claro que só estavam ali pelos créditos. Repetindo, era uma típica turma do sul de Ohio cheia de típicos calouros de uma faculdade do sul de Ohio. Ninguém estava super engajado, é o que estou tentando dizer. Ninguém, inclusive eu, estava levando tudo ao pé da letra.
E então, um dia, a professora começou a aula com “Então, quem aqui já viu A Bela e a Fera?”
Quase todos na sala levantaram as mãos; ela estava falando sobre a animação de 1991 da Disney, era o que se espera de uma turma cheia de americanos que haviam nascido em 88 e 89. A Bela e a Fera era um dos filmes que havíamos visto quando crianças, um dos filmes que assistíamos nas nossas salas enquanto as nossas babás faziam outra coisa, um dos filmes cuja trama nós havíamos seguido enquanto sentados ao lados dos nossos pais que não prestavam muita atenção. Ele era conhecido por quase todos nós, e quando ela nos perguntou o que nós lembrávamos dele, a participação chegou a um nível que não havia alcançado nas últimas semanas. As pessoas falaram sobre as músicas que conheciam de cor, sobre o candelabro dançante e o relógio mal humorado, sobre a biblioteca que elas sempre quiseram, sobre a cena no final quando a Bela dança com seu enorme vestido amarelo. Fazia tempo, para muitos de nós, desde quando tínhamos visto o filme, mas nos lembrávamos bem. As pessoas geralmente se apegam às coisas que assistem quando crianças, afinal de contas. As pessoas geralmente lembram do que entra no cérebro delas quando seu cérebro está em seu momento mais maleável e impressionável.
A professora nos deixou falar até cansarmos e depois sorriu e disse: “Certo. Vamos assistir.”
Nos 91 minutos de A Bela e a Fera, os seguintes eventos ocorrem: a heroína, Bela, é perseguida incansavelmente por um homem chamado Gaston, para quem “ninguém diz não”. (Além disso, ninguém bate como Gaston, ninguém combate Gaston, ou cospe à distância melhor que Gaston – ele é particularmente bom em expectorar. O fato de eu estar explicando certas coisas sobre esse filme não quer dizer que eu não o amo; a música do Gaston no meu iTunes tem um número ridículo de reproduções. Sem julgamentos.)
Quando ela o rejeita, ele fica enfurecido e arma um plano para que o pai dela seja preso em um manicômio a menos que ela aceite se casar com ele. Enquanto isso, o pai da Bela está aprisionado em um castelo pela Fera, que foi amaldiçoada a permanecer como fera a menos que ele ame e seja amado antes do seu vigésimo-primeiro aniversário. O pai da Bela, muito adoecido, é liberto quando a Bela se oferece para tomar o seu lugar, uma barganha que a Fera aceita sob a condição que ela fique no castelo para sempre. Ele joga o pai da Bela para fora do castelo sem nem ao menos deixar que ela se despeça. Quando ela se recusa a jantar com a pessoa que a sequestrou, aprisionou e ameaçou seu pai, a Fera instrui seus servos para não deixarem que ela coma nada. Ele grita com ela. Ele a intimida fisicamente e a ameaça. Ele a expulsa, em fúria, de um quarto que ele não quer que ela entre, e ao longo de todos esses acontecimentos, os vários criados dele (o bule, o candelabro, etc) dizem que ela não deve julgá-lo com muita rigidez, para não levá-lo tão a sério, para não vê-lo como vilão.
Quando Bela tenta escapar do castelo pelo enorme medo que ela sente da Fera, ela é atacada por lobos, e é salva pela Fera. Ela cuida dos ferimentos dele e a história muda; em resposta a sua bondade, a Fera começa a demonstrar seu lado mais brando, um lado mais gentil, um lado que Bela começa a amar. Ela canta uma canção sobre como ela não acredita que não conseguiu ver aquilo antes. Eles dançam juntos, ela naquele enorme vestido amarelo.
Enquanto ela continua a mostrar carinho e bondade, ele continua a se afastar mais e mais da Fera anterior – a Fera que a aterrorizou física e psicologicamente e instruiu seus criados a esfomeá-la caso ela não comesse com ele – até que ele se torna de todas as formas menos em aparência, um cavalheiro. O povo do vilarejo, liderado pelo furioso Gaston, invade o castelo e acontece uma batalha entre Gaston e a Fera que é feita para ser lida como A Batalha Pela Bela, por assim dizer. Gaston perde, mas apunhala a Fera antes de cair para a sua destruição, a Fera meio que morre, mas a Bela o ama, o que quebra o feitiço que o mantém como Fera e salva a sua vida. Eles, em teoria, vivem felizes para sempre.
O filme terminou e a professora ligou as luzes. Ela distribuiu uma ficha que já havíamos recebido, uma lista de sinais que apontavam abusadores domésticos. A lista incluía coisas como “isola a parceira de sistemas de suporte – tenta afastá-la da família, amigos, atividades exteriores”. Incluía coisas como “tenta controlar o que a parceira veste, fala, vê”. Incluía coisas como “muda de humor rapidamente, vai de gentil a enfurecido num instante”. Incluía coisas como “tem expectativas irreais sobre a parceira”, e “mantém a parceira consigo contra a sua vontade” e “intimida com linguagem corporal ameaçadora, socando paredes, quebrando objetos etc”. O comportamento da Fera era compatível com quase todos os itens da lista e o que não era (“foi abusado por um dos pais”, “cresceu num lar abusivo”) só não correspondia pois não tínhamos como saber, a partir da narrativa, se era compatível ou não.
A professora disse,
Então, conversamos. Ela nos apresentou de forma bastante nítida porque – e, de novo, eu digo isso como alguém que ama o filme – A Bela e a Fera é claramente uma narrativa que defende o abuso. É literalmente um filme sobre uma mulher que pega uma “fera selvagem” e a doma com o seu amor. É um filme que diz, “Aqui está um homem que é literalmente um monstro e aqui está uma mulher que lhe dá amor apesar disso! E vejam, o amor dela o modifica. O amor dela faz ele ser melhor. O amor dela – literalmente – transforma a personalidade perigosa e abusiva do início em algo completamente diferente.” Em resumo, é um filme que diz, “Se você amar o seu abusador o suficiente, ele vai deixar de ser abusivo. Você só precisa amá-lo mais. É o seu trabalho amá-lo, consertá-lo, transformá-lo”. O que é, é claro, uma mentira terrível, perigosa e muito difundida.
Houve, naturalmente, uma repercussão na sala. Nós todos amávamos esse filme desde crianças, e nenhum de nós queria vê-lo da forma que ela nos estava mostrando. Nenhum de nós queria reconhecer o que ela estava dizendo, tanto porque fazia com que algo que nós amávamos fosse menos merecedor de amor quanto porque nos fazia sentir mal por não termos sido capazes de reconhecer aquilo antes. Em determinado momento, uma moça levantou a mão e disse “Ok, eu entendi o que você está querendo dizer, mas qual é. Nós somos adultos, não é como se nós estivéssemos assistindo e levando isso a sério, ou pensando que a Fera é um bom modelo de namorado! Pelo amor de deus, é um filme de criança”.
A professora virou pra ela, apontou um dedo para a garota e disse, “Exatamente”. De uma hora pra outra, a turma ficou em silêncio. Nenhuma criatura se mexia, nem os babacas.
Eu estava fazendo minha tradicional sessão natalina de Simplesmente Amor enquanto eu lia de forma bem meia boca mais um post lamentando o estado atual da internet, tão cheia de feministas e gente da justiça social que estão “arruinando tudo”, que estão levando tudo muito a sério, que deveriam apenas parar de mimimi. Enfim, Simplesmente Amor é um filme que eu amo apesar dos pesares; ele nem tenta disfarçar o quão emocionalmente manipulador ele é, além de ser profundamente problemático de várias formas. Talvez seja porque eu gosto de narrativas em vinhetas interconectadas; talvez seja a cara do Colin Firth; talvez seja o fato que eu assisti ao filme pela primeira vez durante um período de formação. Qualquer que seja o motivo, é um filme ao qual eu continuo a voltar não importa quantas vezes eu perceba que várias partes dele são bem bosta.
Então, eu estava assistindo a esse filme e lendo esse post e, como eu faço todos os anos, eu cheguei na história do Hugh Grant (David) e da Martine McCutcheon (Natalie), uma assessora por quem ele se apaixona. Para quem não viu o filme, acontece assim: Hugh Grant, como o primeiro ministro recém eleito do Reino Unido, começa a gostar da sua assistente, mas prefere ignorar esses sentimentos por motivos de: ela é sua assistente. Eles flertam, etc, e depois o presidente dos Estados Unidos, interpretado (incompreensivelmente) pelo Billy Bob Thornton, menciona de forma muito nojenta que ele acha Natalie atraente. Acontece então uma cena em que o Hugh Grant deixa o Billy Bob Thornton sozinho por alguns momentos com a Martine McCutcheon, que está lá na sua capacidade como assistente de grau inferior. Quando Grant volta, Thornton está dando em cima da McCutcheon fisicamente em uma cena que, pra mim, mostra claramente uma interação desigual entre um dos indivíduos mais poderosos do mundo e uma funcionária muito desconfortável e intimidada.
Como resultado desse incidente, Grant “redistribui” McCutcheon para outra posição, e faz isso por meio de terceiros, sem nunca falar com ela sobre o assunto. Depois disso, ela manda pra ele um cartão de desculpas pelo incidente que diz que ela é “dele”, e depois precisa se desculpar de novo, pessoalmente, antes que a narrativa permita que eles se beijem.
Como eu faço todos os anos, eu me vejo pensando no que a minha professora diria sobre essa história, pensando que ela apontaria que essa é uma narrativa que pune uma mulher por ser colocada numa posição desigual, não-recíproca e objetificada, que essa é uma narrativa que faz uma mulher pedir desculpas por escrito e em palavra antes que ela possa ser perdoada. E ainda assim, como faço todos os anos, eu me vejo torcendo por eles.
Eu me vejo encantada pelo sorriso faceiro do Hugh Grant e o alívio exuberante da Martine McCutcheon quando ele a perdoa. Eu me vejo satisfeita quando eles ficam juntos, embora essa trama incorpore perfeitamente quase tudo que eu odeio na mídia. Como uma consumidora esclarecida, como uma feminista fervorosa, como alguém que faz questão de procurar por e ver questões na mídia com que me envolvo, eu ainda quero ver isso acontecer. Eu ainda quero o que a narrativa me diz pra querer. Eu faço isso apesar dos pesares, mas nem por isso deixo de desejar que eles fiquem juntos.
Eu não sei quanto a vocês, mas quando eu era criança, ninguém sentou comigo depois de assistir A Bela e a Fera e falou “Ok, esse é um filme e tudo bem gostar desse filme! Tudo bem achar que esse filme é ótimo! Mas você precisa saber, se alguém na vida real fizer com você as coisas que a Fera faz com Bela, não estaria tudo bem. Não seria certo”. Quando a minha mente era jovem e maleável, não tinha nenhum adulto pra me dizer, “Isso é um filme, e não tem problema gostar desse filme, mas o relacionamento que ele mostra não é saudável”. E isso não é porque eu não tive adultos responsáveis na minha vida! Eu tive sorte de crescer com pais ativos, inteligentes, progressistas, gentis e de mente-aberta; eles não me disseram isso porque eles não tinham esse conhecimento. Porque ninguém nunca tinha dito nada disso pra eles.
Quando eu tinha 14 anos, eu vi Simplesmente Amor no cinema. Foi um momento esclarecedor pra mim em mais de um sentido; eu estava descobrindo romance em primeira mão assim como o estava consumindo em filmes e em séries de televisão que até então eu não pudera assistir por ser nova demais.
Eu também estava sendo ensinada todo o conteúdo do manual de “Como Não Ser Estuprada”, não que nada que estivesse nele tenha conseguido impedir o meu estupro no final das contas. Me disseram para não estacionar em estacionamentos fechados, porque alguém poderia se esconder debaixo do meu carro e me estuprar, mas também não estacionar na rua, porque alguém poderia sair da penumbra e me estuprar. Me disseram para não usar rabo de cavalo, porque alguém poderia me agarrar pelo cabelo e me estuprar, mas também não usar o cabelo solto, porque me fazia parecer mais velha e poderia instigar alguém a me estuprar. Me disseram para não andar sozinha nem só com outras garotas, porque isso me deixaria vulnerável e permitiria que alguém me estuprasse, mas também não ficar sozinha com ou confiar em caras, porque eles poderiam querer me estuprar.
Enquanto eu estava recebendo todas essas orientações contraditórias e, no final das contas, inúteis, ninguém estava dizendo, “Ei, em filmes como Simplesmente Amor, nesses filmes chamados ‘de mulherzinha’, nesses filmes que são direcionados para grupos sociais de adolescentes e mulheres jovens, tem coisas que acontecem que são nojentas e abusivas e erradas. Vai haver cenas onde as pessoas feitas para que você se identifique com são objetificadas, descartadas e inferiorizadas, e essas pessoas vão ser representadas como se estivessem de acordo com aquilo. E não tem problema gostar do filme! Mas na vida real, essa merda seria um problema, e você não precisaria fingir que tá tudo bem”. Ninguém me disse porque ninguém tinha esse conhecimento. Ninguém me disse porque ninguém tinha dito isso pra eles.
Existe mais mídia disponível que jamais houve antes, em volume maior do que jamais houve antes. Por meio de televisões com suas intermináveis opções de canais, por meio das nossas contas da Netflix, por meio dos torrents e streams e vídeos do YouTube e rips de DVDs, sempre há algo pra assistir. E eu entendo. Eu entendo que é cansativo examinar tudo em busca de falhas. Eu entendo que é cansativo ver outras pessoas examinando tudo em busca de falhas. Eu entendo que é difícil ver algo que você ama ser criticado, ou xingado, ou pintado por uma perspectiva em que você preferiria não pensar sobre. Eu entendo que parece que tudo está sendo arruinado, como se as pessoas estivessem procurando por algo para odiar, como se as pessoas estivessem levando tudo muito a sério.
Eu entendo inclusive que, por mais que tentemos fingir que não, pode parecer um ataque pessoal ver alguma obra a que estamos apegados ser descascada. Eu entendo que, ao ver alguém dizer “Essa obra é perigosa e defeituosa e está mandando uma mensagem ruim”, poder parecer que eles estão dizendo “Você é perigoso e defeituoso está mandando uma mensagem ruim”. Ninguém está dizendo isso, mas eu entendo que você pode se sentir desse jeito, porque eu já me senti assim. Isso é o que acontece quando nos apegamos a certas coisas e alguém vem criticar essas coisas. Isso é o que acontece quando a mídia é feita para nos manipular emocionalmente: você é manipulado emocionalmente. É assim que funciona.
Mas consumir mídia de forma crítica é uma habilidade. E numa época em que a mídia está mais predominante que jamais antes, é uma habilidade imprescindível. É uma habilidade imprescindível porque você vai continuar a ser exposto à mídia, e ela vai continuar a tentar te manipular. É uma habilidade imprescindível porque fica mais fácil ver pessoas criticando o que você gosta e não mais difícil. É uma habilidade imprescindível porque algumas das merdas que estão sendo ensinadas em massa pela mídia são horríveis, assustadoras e prejudiciais, e talvez pareça que você não aprendeu nada horrível, assustador e prejudicial, e talvez você ache que não está suscetível a nada horrível, assustador e prejudicial, e sinceramente? Talvez você não tenha sido ensinada. Talvez você não esteja suscetível. Eu não te conheço. Mas eu sei que numa sala normal no sul de Ohio cheia de alunos normais, todos eles ficaram em silêncio, horrorizados ao perceber o que A Bela e a Fera ensina crianças novas demais pra entender o que elas estão sendo ensinadas. E eu, como alguém que passou vários anos aprendendo a analisar mídia, como alguém que trabalhou ativamente para desenvolver a habilidade de compreender o que determinado filme quer que eu sinta, eu ainda quero ver o Hugh Grant beijar a Martine McCutcheon. Eu sei que o pulo do gato para que coisas horríveis como a cultura do estupro continuem a existir é que elas estão por toda parte o tempo todo, imperceptíveis e se valendo do fato que são o status quo, escondidas frente aos nossos olhos.
Nós podemos procurar a mídia que não tenta nos empurrar essas coisas horríveis que precisamos, como sociedade, desaprender para chegar a um lugar mais saudável, ou nós podemos apontar as falhas da mídia pré-existente, ou fazer ambas essas coisas. Mas “parar de mimimi” não é uma opção. “Parar de mimimi” não pode ser uma opção, porque nós não podemos continuar a responder com “Ninguém me ensinou porque ninguém ensinou para eles”. Nada vai melhorar desse jeito. Nada vai melhorar se nós continuarmos a não falar pras pessoas sobre isso.
E, sim, é muito mais fácil não assistir a nada de forma crítica. Sim, é mais fácil de se envolver. Sim, como sempre, “Não aprender” é a opção mais fácil. E se você não quer aprender (ou desaprender, no caso), esse é o seu direito. É sua decisão, e ninguém pode te impedir de tomá-la. É completamente possível gostar ou até mesmo amar mídia problemática e consumi-la criticamente ao mesmo tempo, percebendo seus defeitos, mas se isso é algo que você não quer fazer então é isso, e não tem nada que vá mudar a sua opinião. Mas pelo amor de deus, pare de falar que as pessoas devem ficar caladas, devem parar de apontar o que está errado, devem parar de se envolver com algo de uma forma que você não aprova. Primeiro porque você está perdendo seu tempo – é a era da internet. As pessoas vão usar as plataformas que elas têm como elas quiserem. Segundo porque existe uma diferença enorme em dizer “Eu não quero lidar com esse problema” e “Eu não quero lidar com esse problema e portanto ninguém mais pode lidar com ele também”. Uma frase é uma escolha pessoal, a outra é apenas irresponsável. Eu vou deixar vocês decidirem qual é qual.
O Verberenas começou depois de uma conversa num grupo de Facebook que foi criado com o objetivo de gerar diálogo entre as mulheres que estudavam e estudaram Audiovisual na Universidade de Brasília. Em outras palavras: o Verberenas nunca teria existido não fosse por uma rede de minas se apoiando. E este site não foi o único fruto da nossa articulação. Desde a criação do grupo, tivemos diversas reuniões, as alunas e ex-alunas foram capazes de se unir contra situações machistas e abusivas dentro da Faculdade, criamos um projeto de zine chamada Minas Fazem Filmes com nossos trabalhos e participamos de uma feira feminista para expor filmes, quadrinhos e zines. Esses são apenas algumas das nossas conquistas concretas e contabilizáveis, mas eu acredito que o mais importante que nasceu a partir do grupo é justamente algo mais abstrato e intangível: o sentimento de apoio e sororidade que encontramos ali.
É estranho pensar que conquistamos tantas coisas através de algo tão simples: a união de mulheres com outras mulheres. É importante lembrar também que isso dificilmente teria acontecido sem a existência da Internet. Essa é a realidade para muitos movimentos sociais que temos na atualidade, a Internet abriu o debate, possibilitou o encontro e permitiu a organização de pessoas que provavelmente nunca teriam se conhecido. Isso, é claro, vale para o outro lado também.
Com quase oito meses desde a criação do Verberenas, traduzimos um artigo da Kiva Reardon sobre o panorama da crítica feminista atual. Trazemos esse texto afim de enriquecer as discussões que temos visto nos últimos meses sobre a invisibilidade das mulheres nos quadrinhos, no cinema e na literatura, agora pela perspectiva não de mulheres produzindo cultura, e, sim, consumindo e analisando. Nosso papel é prosseguir dando espaço para as artistas que, como nós, estão fazendo arte à margem.
“Uma das características constantes da revista feminista em qualquer cultura é que ela existe fora do modo capitalista dominante de publicação.” Em 1989, escrevendo para a Borderlines, a falecida crítica literária canadense Barbara Godard mandou a real sobre a história de periódicos feministas. Em 2015, essas palavras foram twitadas pela cléo, uma revista feminista digital da qual eu faço parte com um coletivo de mulheres. Como uma publicação autofundada, a cléo se encaixa perfeitamente na definição de Godard. Suas palavras, entretanto, são reflexo de uma realidade pré-internet.
Na era digital, o “modo capitalista dominante de publicação” se tornou mais obscuro. A crítica cinematográfica feminista foi, no passado, um produto quase exclusivamente acadêmico ou de pequenas publicações, com um alcance limitado e poucos leitores, firmemente enraizada fora da (e em oposição à) maior parte das escritas cinematográficas e culturais mainstream*. Agora, ela pode adentrar conversas mainstream com um clique, @ ou compartilhamento. Isso pode agir como um corretivo sobre a cultura de crítica cinematográfica que é cegamente branca e exaustivamente masculina. Mas também apresenta um desafio para a crítica feminista: a perda da sua postura marginal conforme ela é incorporada a própria indústria contra a qual ela um dia se definiu.
O cinema está profundamente ligado ao capitalismo. Não se trata apenas do custo de fazer um filme, mas como o capital é usado para definir o sucesso de um filme: a bilheteria. Enquanto a venda de álbuns na lista de mais vendidos do New York Times traçam quem está ganhando dinheiro em seus respectivos meios, as discussões, em geral, não giram em torno quantos milhões custou para que um produto cultural fosse realizado em relação a que lugar da lista ele se encontra. Quando se fala em filme, os lucros são frequentemente centrais à discussão, independentemente do valor. (Pegue o Tangerine, o queridinho independente devidamente celebrado de 2015, que se tornou assunto de discussão não apenas pela sua narrativa sobre personagens trans e o fato de ter sido todo filmado por iPhones, mas também porque ele custou cem mil dólares para ser realizado). Não é surpreendente que essa relação próxima desde o ponto de partida tenha afetado a natureza da crítica cinematográfica também. O cinema mudo viu o nascimento de revistas entusiastas que foram incorporadas ao maquinismo da indústria com a criação do star system*. O prazer voyeurístico de um artigo de tabloide vende uma revista que então impulsiona o poder de venda de ingressos de uma estrela de cinema, e assim por diante, até hoje, como um Ouroboros insaciável. Conforme o cinema se fortalecia dentro da cultura popular e jornais e outras publicações passavam a contratar críticos de cinema, a jornada da crítica cinematográfica mainstream se tornou um trabalho de dentro para fora, para as margens. Ao invés de enaltecer os atores e admirar as novas tecnologias, ela envolvia disputas sobre gosto, e, fundamentalmente, o firme posicionamento contra o princípio de que a mágica do cinema podia ser quantificada pelo seu lucro.
A crítica cinematográfica feminista, por outro lado, possui origens diferentes, distante do poder invasivo da indústria: a segunda onda do feminismo. Vamos tomar como exemplo a avó do periódico cinematográfico feminista, Camera Obscura, que foi lançada em 1976 a partir de uma discussão de um grupo de pós-graduandos da Universidade da Califórnia em Berkeley e que agora é publicada pela Duke University. Sua primeira edição afirma que o conceito para a publicação “evoluiu da constatação da necessidade de estudo teórico em cinema [nos Estados Unidos] da perspectiva feministas e socialista.” Em seus 40 anos de história, a Camera Obscura permaneceu fiel a esse princípio, publicando artigos pelas estrelas robustas de seminários de pós-graduação como Kaja Silverman, Contance Penley, Mary Ann Doane e Wendy Hui Kyong Chung. Seu trabalho estava de acordo com a ideia de que “análise fílmica feminista reconhece que o filme é um produto cultural específico, e tenta examinar a forma como a ideologia burguesa e patriarcal está inscrita em filme.” Contudo, embora Camera Obscura tenha nascido à margem, ela enfrenta um problema que desafia a academia independentemente do assunto: com assinaturas caras e distribuição limitada das edições em capa dura, a Camera Obscura só alcança a margem. Crítica como essa no geral é fornecida a um certo grupo privilegiado. Meu primeiro contato com escrita feminista sobre filmes foi na universidade. Em uma matéria sobre a Nouvelle Vague francesa, ensinada pela brilhante acadêmica Alanna Thain, os ícones da história cinematográfica Jean-Luc Godard e François Truffaut eram desmantelados através de uma perspectiva feminista; obras de diretoras como Agnès Varda eram consideradas centrais. Ao mesmo tempo, eu era introduzida a bell hooks e seu livro teórico fundamental sobre gênero, raça e estudos mediáticos, Reel to Real (sem tradução oficial para o português), e o trabalho de Tania Modleski sobre Alfred Hitchcock, que me permitiu manter o meu amor pelos filmes não muito amigáveis com mulheres do diretor. Eu devo muito a essa época dos meus estudos – e não só às ideias as quais eu fui exposta, mas também aos meus pais, que me ajudaram a pagar as caras apostilas que viriam a me moldar.
Caso eu tivesse nascido alguns anos antes, as coisas poderiam ter sido diferentes: eu havia perdido o auge da cultura das zines auto-publicadas dos anos 90. Essas publicações eram radicais, mas efêmeras. As zines não se preocupavam, como a cultura literária ocidental se preocupa, com ocupação de espaço físico a fim de estabelecer um legado – zines tinham exemplares limitados, eram vendidas em shows e mandada pelo correio para amigos. Pesquisando sobre zines feministas específicas sobre cinema, encontrei alusão a elas em uma coleção pertencente a Amy Mariaskin, que agora é parte da Duke University’s Culture Zine Collection. Sem PDFs nem exemplares escaneados, eu não posso lê-las a menos que eu vá de carro para North Carolina. O acesso se tornou, mais uma vez, um problema. A internet supostamente consertaria isso, mas o processo de digitalização também é hierárquico – não está além da influência das estruturas de poder dominante que privilegiam o registro de histórias de certas raça, orientação sexual e gênero.
No seu sentido mais utópico, a auto-publicação digital prometia trazer ideais das margens para a massa. Eu levava esse ideal a sério. Eu sabia que eu havia perdido os anos 90 e queria fazer parte de algo parecido. Com a cléo, eu queria criar algo desafiador, como a Camera Obscura, mas algo que estivesse aberto para qualquer um que quisesse encontrá-la pelo Google. E eu não estou sozinha neste impulso – existem agora uma miríade de sites dedicados a mulheres no cinema: algumas focam no lado da indústria como a Women in Hollywood, que trabalha para destacar as vozes das mulheres que surgem numa indústria aparentemente equipada para ignorá-las. Temos Bitch Flicks e Black Girl Nerds, que têm um papel crucial em destacar a cegueira da cultura popular quanto a raça e gênero. (Vejam o twit questionador das Black Girl Nerds sobre a capa só com atrizes brancas do exemplar de novembro de 2015 Hollywood Reporter). Outros sites estão mais investidos no espírito de empoderamento através da auto-publicação, como a Curtsies and Hand Grenades da Willow Maclay.
Embora inspirada pelo pensamento radical da academia e da época do “faça você mesmo” das zines, a crítica feminista cinematográfica na internet se diferencia pelo seu potencial de alcance. Pra parafrasear, a diferença agora é a disseminação. Anos atrás, eu criei um blog quando tinha vinte e poucos anos porque queria que outras pessoas lessem o que eu escrevia e queria que alguém me contratasse. O segundo motivo não tem nada de vergonhoso, todos tem o direito de ganhar o seu sustento. Mas também significa que a crítica cinematográfica feminista se tornou escorregadia na era digital. Enquanto a internet tornou a escrita feminista mais acessível (isso é, para aqueles a que a internet é acessível, é claro), ela também está ligada ao modo dominante de lucro capitalista – a própria internet. E, para aproveitar a deixa de outro grande crítico canadense, o meio está começando a prescrever a mensagem.
A semelhança entre escrita acadêmica e cultura das zines é a sua desconsideração das massas. Por outro lado, na internet, números e alcance falam mais alto – especialmente num panorama no qual, cada vez mais, reembolso acontece na forma de “exposição”. E é difícil, mesmo na auto-publicação, não considerar quais filmes e tópicos vão atrair mais visualizações. Perguntas que não deveriam ter nenhum peso em publicações anti-instituição – Isso vai alienar os meus leitores? Muito difícil? Muito obscuro? – estão pra jogo novamente. Torna-se uma discussão do ovo e da galinha, o que veio primeiro: a quantidade de cliques numa matéria feminista sobre Star Wars ou a perspectiva feminista sobre Star Wars?
Não falo isso para dizer o que deve ou não ser escrito quando falamos de cultura cinematográfica. (Podem soltar suas visões sobre Star Wars!) Mas meu medo é que numa corrida por cliques, a crítica cinematográfica feminista perca sua posição marginal. Ela vai ser, pela primeira vez, parte da indústria ao invés de tentar desconstruí-la.
“Bolsas de estudo em cinema feminista”, observa Sophie Mayer em Political Animals: The New Feminist Cinema, “têm sido essenciais para manter vivo o conhecimento da existência de filmes inacessíveis ao invés de procurar torná-los parte do cânone.” Em um espaço digital, apesar de todas suas aparentes liberdades, a crítica fílmica feminista está em risco de se unir as conversas institucionalizadas ao redor de alguns filmes – os grandes, os blockbusters, mas necessariamente os audazes. Está em risco de servir ao mainstream ao invés do de expor o que nós (literalmente) não vemos. Mais vozes abafando as mesmas velhas vozes masculinas é um som bem-vindo as meus ouvidos. Mas, e posso parecer paranoica ao dizer isso, nós precisamos estar alertas para que as conversas que nós estamos re-enquadrando não sejam simplesmente acrescentadas ao mesmo sistema que vai em direção às bilheterias. Publicar outro artigo sobre Star Wars, afinal de contas, ainda ajuda a vender mais ingressos para Star Wars.
Isso também nos leva a pergunta: enquanto veículos de comunicação parecem estar ativamente procurando escritoras mulheres e pessoas de cor – vejam a chamada de 2015 da Sight and Sounds em busca de mais mulheres para escrever críticas – por que o quadro de funcionários dos periódicos, tanto impressos quanto digitais, não tiveram uma mudança drástica? Por que precisamos de uma chamada radical como a hashtag #GiveYourMoneyToWomen (#DeemSeuDinheiroAMulheres) da Bardot Smith pra desafiar, como ela diz, a “noção de que nós temos que procurar justiça, segurança e igualdade de salários através […] do mundo coorporativo dominado por homens”? Ou, nesse contexto, por que a legitimação, como uma crítica mulher, tem que vir através da escrita em publicações que se rendem perante as vontades das indústrias e predileções patriarcais? Ou através da escrita sobre filmes que são reconhecidos por eles? Para mim, essas perguntas demonstram que a leitura e os hábitos de publicação digitais imitam os impressos. Apesar de toda aquela conversa sobre a ampliação do mundo graças à internet, aqueles em posição de poder no final das contas ainda estão procurando ideias e perspectivas com que eles estão confortáveis como escritores, editores e como seres humanos.
Existe um certo orgulho em resistir a atração do palco principal – aquele velho impulso adolescente de rebeldia contra a norma. Mas mais importante, além de qualquer ideia de autossatisfação, é o fato de que as margens são lugar ideal para a crítica, permitindo uma posição estratégica para observar tudo que há de errado (e, suponho, ocasionalmente o que há de certo) com a sociedade. “Enquanto o espectador ativo faz conexões dentro do filme, o espectador ativista conecta o filme ao mundo.” Isso foi dito, mais uma vez, por Mayer, e eu escrevi essa citação e colei na minha escrivaninha. É um lembrete para a pergunta: em um mundo que coloca infinito acesso e conhecimento, o que eu, sabendo ou não, não estou vendo, procurando ou lendo? É um lembrete, mais do que qualquer coisa, para voltar para as margens. É frustrante estar aqui, e algumas vezes, solitário, mas vale a pena lutar pela vista.