É com enorme pesar que escrevemos este editorial dois dias depois do incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Pouco mais de uma semana antes da abertura do 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que vai trazer vários filmes dirigidos por negrxs e mulheres. Esse momento parece ilustrar o misto de horror e esperança que é fazer cultura (e arte, ciência e história) no Brasil.
Os textos desta edição trazem muito desse sentimento, de que estamos sobrevivendo apesar. Apesar do apagamento, como Lygia Pereira traz em seu texto sobre o primeiro longa-metragem brasileiro dirigido por uma mulher negra, Adélia Sampaio. Apesar da dificuldade em ver filmes de diretoras negras nas salas de cinema, como pontua nossa editora Letícia no texto sobre Café com Canela. Apesar de tentarem transformar todos aqueles que não pertencem em monstros, como nossa editora Glênis traz em seu ensaio sobre As Boas Maneiras. Apesar de todos os conflitos e feridas expostas da América Latina, como vemos na crítica de Manuela Andrade sobre El Lugar Más Pequeño.
Mesmo assim, há algum otimismo que perpassa todos os textos. A resistência de quem se recusa a ser esquecido ou apagado, o romantismo de quem ama cinema e talvez veja filmes demais, a apropriação da monstruosidade como motivo de orgulho e ponto de encontro dos excluídos, a busca de possibilidades estéticas para um cinema feminista.
Entre Amor Maldito e Café com Canela, dois filmes de ficção dirigidos por mulheres negras exibidos no cinema comercial, passaram-se 24 anos. O espaço não foi doado. Como o incêndio do Museu nos mostrou, a arte, a história e a ciência são espaços em disputa. E continuarão a ser. As últimas diretrizes do governo golpista demonstram que a tendência de concentrar recursos nas mãos dos poucos que já têm espaço e voz é cada vez maior. Continuamos a sobreviver por um fio.
Letícia, Glênis e Amanda
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