Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras

Verberenas

Traduções e textos colaborativos das editoras.

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EDITORIAL

Esta edição da revista Verberenas e a quarta Sessão Verberenas fecham um ciclo de publicações e exibições de filmes que fizemos com o suporte do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal. Nem tudo que fizemos pode ser quantificado ou corporificado e nem deveria, existem coisas cujo valor não se mede, coisas invisíveis como todas as conversas que tivemos ao longo do ano, seja entre nós, seja com as autoras dos textos, com realizadoras dos filmes, pesquisadoras, leitores e espectadores. Reuniões semanais de produção ou encontros virtuais para tomar uma cerveja depois de um debate nos vêm à mente. Temos alguns registros desses momentos, mas na maioria das vezes esquecemos de tirar o famigerado print screen. Nossas memórias e cérebros humanos vão ter que dar conta disso. Existem outras coisas, entretanto, que podemos manter e que guardam nelas marcas dessas conversas que tivemos. Em 2021, foram 4 edições da revista, 37 textos entre ensaios, entrevistas, cartas, manifestos e editoriais como este, 4 filmes exibidos de 3 continentes diferentes, 3 ou 4 — dependendo de quando você estiver lendo isso — debates ao vivo. Esses números por si só não contam a história toda, mas eles guiam parte da narrativa, registram algo, dão um corpo para o trabalho, para o esforço, o cuidado e o afeto que nós colocamos nele. 

Somos pessoas reais, carne viva buscando deixar um legado, uma contribuição em um mundo permeado de informação, mas muitas vezes, pouco contato. Tentamos nos encontrar com os filmes, umas com as outras, criar um território compartilhado, ainda que um território digital. Seja pela palavra escrita nas revistas, pela oralidade dos diálogos em debates e pelas imagens dos filmes, nos tocamos. E buscamos registrar esse contato, instaurar um arquivo de nossas inquietações.

Os textos desta edição se aproximam da construção de uma familiaridade em duplos movimentos: ao mesmo tempo lançam luz sobre os filmes em que memória, corpo e coletivo existem em simbiose, também fundam eles mesmos, no traçar da do ensaio e da crítica, o material que (até então) não foi feito. 

Em seu ensaio, Katharine Trajano busca outra maneira de olhar para as pornochanchadas e até mesmo para a história do Brasil, através do papel ocupado pelas mulheres dentro e fora das telas. A “vontade de memória” contra a ausência de imagens move texto de Vilma Carla Martins sobre a autoinscrição de artistas negres em tela. Hanna Esperança evidencia o gesto de amor presente nos registros de família da cineasta Olga Futemma, que se transforma num diálogo entre gerações. 

Bem próxima ao filme, Carolina Maria evidencia caminhos e ritos de “A Rainha Nzinga Chegou” rumo ao “desesquececimento” e manutenção do sagrado no presente. A reflexão sobre os ancestrais não passa, porém, apenas pelo rito, mas também pelo cotidiano, pela criação de novas imagens de famílias pretas, como pontua Renata Martins em entrevista conduzida por Lygia Pereira.

A vizinhança da morte desperta a ideia de um cinema múltiplo, de simbiose entre arte e vida, como pontua o ensaio de Natália Reis sobre os filmes feitos com/para Barbara Hammer. As imagens contra a morte — ou o apagamento — também são tema do texto de Alessandra Brito sobre os cinemas com/por mulheres quilombolas, que através da oralidade demarcam territórios reais e imaginários, e nos lembram: “Tudo ali era quilombo”. Não há familiaridade e, portanto, não há memória sem que se respeite os segredos e limites dos corpos e dos territórios. “Sem terra não há cinema”, cita a cineasta e professora indígena Sueli Maxakali, rememorando a frase do também cineasta e parceiro Isael Maxakali.

Essa fala de Isael parece ressoar por toda a edição nº 08  da revista de diferentes formas, com diversas inflexões, e vem da conversa publicada entre ela e Júnia Torres sobre Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito (2019), de Sueli e Isael Maxakali, que será exibido nesta Sessão Verberenas. A exibição acontece de 10 ao 12 de dezembro. No dia 12 às 18h, conduzimos um debate ao vivo com a antropóloga e cineasta Júnia Torres sobre o filme.

Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito é um filme que nos permite tatear, olhar para o invisível, perceber os limites do corpo e da terra. Nos aproximamos do segredo sem corrompê-lo. Exibir este filme neste momento histórico reafirma nossa “vontade de memória”, nossa política de estar ao lado dos povos da floresta. E de alguma maneira, o desejo em retomarmos nossa própria relação com o segredo, com o sagrado e com a terra, com as familiaridades e com a criação de um acervo de memórias para um futuro que desejamos. Percebemos que tudo se trata de como nos aproximamos: dos espíritos, das pessoas, da terra, de nós mesmos. Existe o cinema e nós existimos.

Glênis Cardoso, Amanda Devulsky e Letícia Bispo