São Paulo, início dos anos 80. Uma menina menstrua pela primeira vez e sonha em visitar a Califórnia. Assim começa o novo filme de Marina Person, uma história de formação com uma forte nostalgia alimentada pelo universo musical da década de 80. A atmosfera saudosista do filme, entretanto, não é pelo Brasil de outrora, mas sim por um Outro Lugar que, no caso, é representado pela costa oeste Estados Unidos que nunca vemos ao longo do filme. É uma saudade de algo que não se conhece, um simples querer estar em um lugar que não aqui.
No fundo, tudo é fuga. Estela, a protagonista, como muitos adolescentes, sente-se deslocada e reprimida pelo pai conservador. Para Estela, a Califórnia é o tio gay, subversivo, irreverente, a Califórnia é o rock, rebelde, a música das pessoas que não se encaixam. É um baque enorme, então, quando o tio volta pro Brasil, doente, derrotado. A AIDS representa muito mais que uma doença, é um perigo que se corre quando fogem-se às regras.
Aqui, permita-me fazer um pequeno e infame jogo de palavras, chegamos à grande fuga do filme: as regras (menstruais). A menarca significa, em muitas culturas, a entrada da mulher na vida adulta e não é à toa que o filme comece com a visão da calcinha suja de sangue de Estela dois anos antes dos acontecimentos do resto do filme. Não sabemos o que acontece com Estela no tempo entre sua primeira menstruação e seus 17 anos, mas ao a reencontramos, não vemos uma adulta. Fica clara a intenção de Person de diferenciar o que marca a maturação de uma mulher para o mundo e o que é de fato essa maturação – um caminho complexo que não pode ser resumido a processos biológicos. Quando vemos Estela aos 17 anos ainda no começo do filme, vemos uma criança. Seus pais não conversam abertamente com ela, ela está passando pelas tribulações de um primeiro amor, e ela eventualmente descobre que não está pronta para começar sua vida sexual.
A adolescência é uma fase confusa e contraditória, ao mesmo tempo que Estela não se sente preparada para encarar a vida adulta, ela deseja a liberdade que ela proporciona desesperadamente. Tio Carlos, ao ir para os Estados Unidos, fugia do que era ser um homem gay no Brasil durante a ditadura militar, mas a realidade bate à porta de todos, e, no final, ele tem de retornar. Estela, também, não pode continuar a sonhar com o Outro Lugar.
Ao longo da história, nossa jovem protagonista tem que encarar suas próprias transformações. Decepções amorosas, livros complexos, uma viagem para a praia, a doença e morte do tio fazem parte da sua jornada de maturação. Ao final, vemos enfim uma mulher capaz de tomar decisões sobre seu próprio corpo, fechando um ciclo. No começo, tínhamos uma menina sonhando em encontrar o tio na Califórnia, no final, uma mulher que troca cartas com um amante na Índia. Ela ainda está no mesmo lugar, no Brasil, se correspondendo com homens em fuga, mas a ditadura militar está chegando ao fim, ela é uma mulher adulta e está preparada para ficar.
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