Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras

Manuela Andrade

Realizadora e colaboradora do Verberenas desde setembro de 2018.

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OS JOVENS BAUMANN É UM FILME DE VESTÍGIOS

Os Jovens Baumann é um filme de vestígios.

Se por um lado o filme nos faz adentrar nas férias de verão de herdeiros de um cafezal, a família Baumann, uma atmosfera que parece trazer um diálogo com a frivolidade presente em filmes como Bling Ring ou Maria Antonieta de Sofia Coppola, por outro, o suspense do found footage (vídeos caseiros encontrados) nos imerge na busca em desvendar o mistério do desaparecimento dos primos.

A estrutura narrativa também traz junto consigo a nostalgia da década de 90. Mas a força motriz, a principal chave de leitura me parece ser o contexto geográfico e social inscrito na certidão de nascimento de cada um dos desaparecidos da família Baumann. O suspense extrapola a simples questão pessoal do desaparecimento desses personagens e expõe junto também os vestígios de um passado colonizador tenebroso.

A questão da herança colonial nos implica perguntas que vão muito além da primeira máxima que surge: o que aconteceu com os Baumann?

 

O filme coloca em cheque toda uma estrutura de poder que nos faz refletir sobre as possíveis causas do desaparecimento dos primos e até imaginar o possível fim que os Baumann tiveram.

Mas a tensão aqui é histórica e as perguntas que vem à tona são atravessadas pela máxima da memória, da história e do esquecimento de um país.

Diante do contexto de escrita da história do Brasil, estruturada no apagamento das nações fundantes dessa terra Brasil: como negros e indígenas, é potente enxergar a fissura no tempo que se cria nos Jovens Baumann e a oportunidade de se colocar em perspectiva o próprio presente repleto de vestígios colonizantes ao olhar para o macabro passado escravocrata brasileiro.

Nos Baumann, o suspense aflinge a memória do colonizador. É ela que está em risco. Ela que é apagada. Ela que desaparece.

A partir da criação dessa fissura no tempo o filme faz parecer ser possível redesenhar a própria história do país a partir da lembrança das tensões escravocratas que permeiam nosso passado e insistem em ser sistematicamente esquecidas, ora por incêndios em museus ora pela negação da urgência de reparações históricas.

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