Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras

Manuela Andrade

Realizadora e colaboradora do Verberenas desde setembro de 2018.

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MALA JUNTA: JUVENTUDE MAPUCHE E OS POTENTES ECOS DA MILITÂNCIA

Um filme de ecos. Ecos que ressoam desde a primeira sequência. Ecos de fantasmas vivos que assombram pelo eminente risco de mostrarem a face mais obscura e previsível. Em Mala Junta (2016) a diretora indígena mapuche Claudia Huaiquimilla escancara a violência sofrida pelos indígenas, os ecos do colonialismo ainda ressoam. Mas junto a esse terror que perdura, o que há de mais precioso na obra é mostrar os corpos que resistem e onde buscam fôlego essas potências de sobrevivência.   

Mala Junta é o longa-metragem de estreia de Huaiquimila e foi premiado em mais de 40 festivais, dentre eles: o grande prêmio do público 39º Festival de Cine Latinoamericano de Toulouse (França) e o prêmio de melhor filme no 24º Festival de Cine de Valdivia (Chile). O filme possui uma bela maturidade formal. É fruto da costura cuidadosa de um roteiro que surpreende pela sutileza em introduzir situações limites e diversas reviravoltas inesperadas na narrativa, aliadas ao minimalismo nos diálogos. Já a maestria das atuações sustenta com tranquilidade longos planos sequências orgânicos e fluidos.

Um dos protagonistas do filme de Huaiquimilla é o ator Eliseo Fernández, do seu curta-metragem San Juan, la noche más larga (2012). Em Mala junta, ele performa Cheo, o mesmo personagem do filme anterior. No longa, permanecem no garoto as inquietações pessoais acerca da identidade indígena abordadas no curta, agora permeadas pelo bullying que sofre na escola. O outro protagonista é Tano, interpretado por Andrew Bargsted, um adolescente que se vê obrigado a mudar-se para a casa do pai, por ordem de uma espécie de juizado de menores do Chile, por conta de uma tentativa de assalto cometida pelo jovem. Tano é matriculado pelo pai no mesmo colégio de Cheo.

Ambos são espécies de párias na escola e se unem aos poucos. Embora exista um pouco de passivo agressividade inicialmente na relação entre os dois, comum a esse lugar infantilizado de uma certa “afirmação” da “masculinidade” adolescente, eles criam uma relação de amizade muito forte e estreitam os laços (ao ponto da mãe de Cheo e do pai de Tano também nutrirem uma relação de afeto). Apesar de um certo estranhamento inicial com a forma fria e dura de Tano, os jovens se unem e Tano chega até a defender Cheo.

O indígena mapuche Cheo sofre mais bullying do que Tano na escola e não consegue revidar, diferente do amigo. Isso vai se agravando ao longo do filme e culmina numa das cenas mais impactantes do longa. Logo após o assassinato de uma liderança indígena local, próxima de Cheo, estudantes queimam um boneco, em plena quadra da escola, no intuito de provocar o adolescente indígena. É quando Cheo entra numa briga com o estudante provocador. Tano também toma a frente para protegê-lo, mesmo sabendo que poderia ser penalizado pela coordenação e corre o risco de ter uma punição mais dura (devido a sua situação perante ao juizado).

Mala Junta é um filme sobre a fragilidade e a vulnerabilidade que esse povo mapuche é sujeitado no tempo presente e sobre a leveza que conexões afetivas como a amizade podem agregar. Embora não exista em cena alguma a concretização de um abraço entre os meninos, este apoio na escola e o olhar de Tano para Cheo, na sequência após o assassinato da liderança mapuche, transparecem uma compaixão incondicional.

IDENTIDADE INDÍGENA E MILITÂNCIA

Acompanhamos de maneira gradual o envolvimento de Cheo com a militância. Ele primeiro passa a frequentar os espaços de articulação política do povo, ao se aproximar de uma das lideranças jovens. Em seguida, comparece nas manifestações e protestos públicos dos mapuche contra a ação violenta dos policiais que os acusam falsamente de provocarem incêndios na região. O momento mais pungente dessa relação com seu povo, tragicamente, é a cena na qual os policiais invadem as casas e cometem o assassinato da liderança.

Nas sequências seguintes, vemos Cheo com uma faixa tradicional mapuche protegendo o corpo do líder assassinado e protestando. A partir de então, passa a existir, desenhada pela decupagem de fotografia, uma imersão de Cheo ao ponto de figurar agora como parte integrante e essencial dentro daquele povo. Os planos mais próximos se transformam em planos gerais nas cenas do enterro e são arrebatadoras as imagens dos indígenas chegando a cavalo tocando música para a cerimônia de despedida do jovem mapuche assassinado.

 

 

ECOS FANTASMAS DO COLONIALISMO

O filme de Huaiquimilla tem um desenho cuidadoso do som que vem introduzindo desde o início as notícias da TV acerca dos incêndios supostamente ocasionados pelos mapuche. Ao longo da obra, sons de serras elétricas, árvores tombando, notícias de jornais, além das imagens de indústrias invadindo a região vão formando ecos que desenham um cenário de temor constante. Estes fantasmas parecem estar por toda parte. O bullying que Cheo sofre na escola é apenas uma das nuances desse monstro maior. Como uma marcha que avança de mansinho, a recorrência desses fantasmas culmina com o barulho dos tiros no ataque aos indígenas. O filme termina silencioso, numa espécie de luto, mas a cumplicidade dos meninos fala mais alto do que a desesperança.

A escolha de personagens do sexo masculino para tratar de fragilidade traz uma camada emocional muito especial para o Mala Junta. A amizade entre dois homens e a relação de companheirismo que se estabelece entre eles, somadas a estas questões universais que atravessam a adolescência e ao contexto complexo da relação identitária de Cheo compõem um cenário limítrofe no qual a quietude parece sempre estar em jogo.

No final do filme, os meninos possivelmente terão que se separar por conta do episódio na escola no qual Tano foi ajudar Cheo a se defender. A última cena, na qual eles observam a árvore no local onde sempre se reuniam, tombada no chão, inspira uma melancolia, mas a vitalidade desses jovens parece propor um futuro indignado, inquieto. Um movimento. Cheo ressoa os ecos da militância.

Este fatalismo no final reflete a situação atual dos mapuche no Chile. Não haveria uma happy end que desse conta. A distopia é evidente, mas a utopia de Huaiquimilla ressoa no olhar de força desses meninos e nesse encontro improvável.

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